Há uns tempos, fui ao jantar de aniversário de uma amiga. Era um jantar em modo excursão com 40 pessoas da faculdade, do trabalho, amigos dos amigos, onde eu fiquei no fundo da mesa e os poucos convidados que conhecia estavam na outra ponta. Ironicamente, fiquei ao lado de um tipo de camisinha aberta até meio do peito e uma poupa em gel exactamente igual ao John Travolta em Grease. E eu adoro o John Travolta em Grease. Mas dispenso as personificações modernas de qualquer personagem fantasiosa que, na vida real, nunca vai ser tão interessante. E foi exatamente o caso: em duas horas e pouco de jantar, o tipo não sabia ter qualquer conversa de jeito e, a cada cinco minutos, batia na mesma tecla em voz bem alta para todos ouvirem: pessoal, vamos para o Lux? E o pessoal fazia aquele sorriso solidário de quem tem a certeza absoluta que o Lux será o último sítio onde a noite vai acabar. A minha, pelo menos, iria acabar, sem dúvida, no sofá de casa.
Entre os momentos em que o tipo levava o garfo à boca, enviava mensagens no Whatsapp ou gritava para ninguém se esquecer que a próxima paragem seria o Lux, tentava entabular uma conversa comigo. Sem sucesso, posso garantir. E eu, em grupo, até sou bastante simpática. Mas, na verdade, eu estava mais interessada em falar com a, vamos chamá-la assim, Ana que estava no meio da mesa e não tirava os olhos de mim. Numa pausa entre o prato e a sobremesa, apanhei a Ana à porta a fumar e fui meter conversa com ela. Já não a via há alguns meses – porque ela tinha estado a trabalhar fora – mas sempre nos tínhamos dado bem. Virou-me a cara, respondeu-me torto, atirou com o cigarro para o lado e voltou a entrar no restaurante. Acabei por regressar ao meu lugar solitário ao lado do Travolta.
Na altura não percebi porque raio a Ana tinha falado comigo daquela forma. Quando acabou o jantar, despedi-me da minha amiga aniversariante – porque não iria para o Lux – e acabei por não falar mais com a Ana. Uns dias depois, quando voltei a encontrar-me com a minha amiga, perguntei-lhe pela Ana e porque razão ela me tinha tratado tão mal no jantar.
– Esquece, ela não estava chateada contigo – respondeu ela – só que estavas sentada ao lado do Travolta e ela não está bem com ele.
Mulheres…
Estas são exatamente as coisas que mais odeio nas mulheres. Porque, porra, nós, às vezes, somos muito estúpidas parvas injustas, direcionamos sempre a nossa frustração para as outras mulheres e isto tem de parar. Teria sido mais prático a Ana ter vindo falar comigo e ficava logo a saber que, apesar de ter ficado sentada ao lado do Travolta, a verdade é que pouco ou nada falei com ele e não havia a remota hipótese de nascer ali qualquer tipo de romance (caso fosse essa a sua preocupação para não parar de olhar para mim).
– Mas se não está bem com ele porque é que eu levei por tabela? – insisti com a minha amiga, porque continuava a não achar que fizesse sentido. – Eles foram para a cama e ele cagou nela no dia seguinte – disse-me.
Mensagem enviada, recebida e entendida.
O Come-e-caga ou a espécie de homem que devia ser extinta deste planeta
Há milhares de tipos de homem. Quem lê esta crónica – ou mesmo o livro – conseguiu ler as minhas perspectivas e vivências com muitos destes tipos – uns melhores, uns piores. Mas se eu pudesse acabar com uma espécie de homem à face da terra seria apenas este: o Come-e-caga.
Homens, expliquem-me como se eu fosse muito burra, porque razão continuam a comer e a cagar? Que chip é este que vos foi entranhado no cérebro algures a meio da adolescência e vos fez acreditar que a única forma de fazerem parte da manada é a ter comportamentos absolutamente egoístas e, acreditem, desprezíveis? Que bicho-papão é este que vos entra pela noite dentro e vos faz fugir das relações?
É que não é só comer e cagar. É ser um pouco reles e até cobarde. Porque antes do verbo ‘comer’ acontecer, houve toda uma troca de mensagens, de telefonemas, de promessas, de planos, de conversas, de troca de ideias, de experiências. E sabem o que é isto? É aquela palavra da qual vocês fogem a sete pés: conquistar. É fazer a corte. É seduzir. É criar expectativas às quais não pretendem corresponder. Mas, mesmo assim, continuam a fazê-lo sem dó nem piedade.
A Ana acabou por falar comigo e contou-me a sua não-relação com o Come-e-Caga (deixou de ser Travolta para mim) e como, na altura, vê-lo a falar comigo a deixou de coração partido. Mas, tal como em tudo na vida, o coração sara, as memórias deixam de doer, as mensagens são apagadas. E o Come-e-Caga deixou de entrar nas nossas conversas.
Temporariamente…
Fui jantar com a minha amiga no fim-de-semana e ela contou-me que a, vamos chamá-la assim, Teresa (uma colega de trabalho dela) tinha sido igualmente enganada pelo Come-e-Caga. E a história foi exatamente igual. Conheceram-se sei lá onde, começaram a falar, conversinhas aqui, conversinhas ali, planos, mensagens, telefonemas, jantar, cinema, cama e adeus. Ele voltou a desaparecer. É que, pelo menos, podia ser gradual. Podia dar aquela conversa de ter muito trabalho, ter o tio a morrer, ter o cão constipado ou a casa a arder. Mas o tipo nem tem tempo para a despedida. Está a vestir as cuecas e já está com uma perna fora da cama. Figurativamente falando, claro.
E qual é o objectivo disto? Ser el matador de Lisboa? Dei-me ao trabalho de ir ver o Facebook dele e é um tipo de 36 anos em que mais de metade das suas fotografias são em discotecas. É o seu hobby, espalhar sementes Lisboa fora? Isto é algum tipo de missão? Fez uma promessa à Santa?
A vida é tão curta. E a única coisa que precisamos e que torna a nossa existência gratificante é o amor. Não é o trabalho, não é o dinheiro, não é o Lux. É o amor. É o sentirmo-nos amados. É ter o nosso mundo preenchido pelas gargalhadas de alguém. Pelo seu toque, o seu cheiro, a sua voz, a sua música, os seus livros, as suas experiências, as suas histórias, as suas vivências, as suas meias espalhadas pelo quarto.
E vocês nunca vão encontrar isso. Nunca, se continuarem a comer-e-a-cagar à procura da próxima refeição melhor.
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