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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Dia Mundial do Livro: o Instagram deixa-nos mais estúpidos e temos de conquistar esta geração


Há uma frase que estou constantemente a ler: somos o resultado dos livros que lemos, das viagens que fazemos e das pessoas que amamos. E isto, para mim, resume bastante a vida e o que levamos dela. É por isso que os livros sempre tiveram um impacto enorme em mim. E hoje, Dia Mundial do Livro, achei que era um dia mais do que oportuno para abordar aqui alguns números que têm de ser gritados.


Em 2016 eu escrevia na Estante da Fnac que há livros que nos entretêm, livros que nos ajudam a passar o tempo, livros que nos ensinam, livros que nos encantam antes de adormecer. Há livros que nos ficam na memória, livros que nos falam às emoções, livros que nos tocam a alma, livros que mudam a nossa personalidade, que nos ensinam a ser melhores, que nos fazem descobrir quem somos realmente. Há livros que se tornam tesouros, que sobrevivem ao passar dos anos e continuam a viver dentro de nós – mesmo depois de os termos acabado de ler. São esses que continuam a tornar a literatura uma das grandes magias do nosso mundo.


E eu sempre fui uma criança apaixonada por essa magia – e não pensem que era uma miúda estranha porque fiz tudo o que qualquer outra rapariga fez. Mas desenvolvi uma arte de correr pelo dia a pensar nas personagens com quem queria falar à noite. Esta necessidade de largar o (nosso) mundo para entrar noutro acompanhou-me a vida toda. E hoje, centenas de livros depois, ainda continuo a sentir aquele formigueiro na ponta dos dedos ao folhear. E sei que me esbarrei com um bom livro – os mágicos, os que continuam a viver dentro de nós muito depois de os termos lido – quando passo o dia numa ânsia de chegar a casa para mergulhar na leitura.


Mas e então?, questionam-se vocês. Então que esta magia está a morrer. Então que tantos jovens não estão a crescer com ela. Então que tantos adultos vivem vidas cinzentas porque se esqueceram que, em tempos, havia um mundo que esperava por eles no fim do dia de trabalho. E então que a minha mensagem sempre foi esta – a de trazer mais leituras até vocês e de vos passar um pouco desta minha paixão e entusiasmo pela literatura.


José Maria Silva escreveu no Expresso que, em 2009, venderam-se em Portugal 14,9 milhões de livros, número que tem vindo a descer de ano para ano, provavelmente muito graças às redes sociais que aceleraram a nossa vida e nos tornaram espectadores de vidas digitais, estando os livros relegados para um plano já longínquo. Em 2018 venderam-e em Portugal 11,7 milhões de livros, o que equivale a qualquer coisa como uma queda de 21% de vendas em dez anos.


Claro que não acredito que tudo isto seja assim tão dramático. A Internet também trouxe as trocas e vendas de livros em segunda mão que move muitos, muitos leitores; hoje muita gente já lê em ebook; ou opta por ler em inglês (por ser mais barato); mas, claro, a qualidade de vida dos portugueses também sofreu, o poder de compra é menor, os ordenados são muito baixos, as rendas muito altas e os livros em Portugal são muito, muito caros, o que aumentou consideravelmente o mercado de livros em segunda mão. E isto também é bom. Continua a haver circulação de livros e leitores, não obstante a queda das vendas.


Mas olhando para quadro geral, sim, os livros estão a passar por uma fase mais frágil no mundo. Um dia destes disseram-me que “video killed the radio stars” da mesma forma que a internet vai matar os livros. E é quando me dizem estas coisas que o meu eu que acredita loucamente na literatura vem ao de cima e eu luto por isto. Luto por mostrar que nada substitui o simples prazer de ler. E que a única coisa que vai acontecer é que uma grande fatia do ser humano vai simplesmente ficar mais estúpida. 


Correção: já está mais estúpida, basta ir ao Instagram.


Esta semana dei por mim na conta de Instagram de uma rapariga que tinha partilhado o meu primeiro livro. E ela perguntava se alguém já tinha lido e que recomendava vivamente. Saltei imediatamente para os comentários e só li coisas como: não costumo ler muito; não tenho lido nada ultimamente; não sou muito de ler… E esta é a geração que temos de voltar a conquistar. A geração que perde duas horas a escolher uma roupa para tirar fotos. A geração que passa os fins-de-semana nos provadores das lojas a decidir o que comprar para tirar fotos. A geração que gasta 19€ num batom (para mostrar) mas um livro de 19€ é muito caro. A geração que não tem tempo para ler porque está a fazer scroll em redes sociais. A geração que vive esta vida acelerada em stories de dez segundos.


Como Lisa Lucas (diretora da National Book Foundation nos EUA) escreveu na revista Times, claro que sabemos que muitas pessoas simplesmente não gostam de ler e que as vendas estão a diminuir. Mas precisamos entender quem lê e porquê e incentivar à descoberta da leitura com alegria. Precisamos entender quem ficou de fora e como os podemos voltar a conquistar. E este é o trabalho das editoras, das lojas e dos livreiros: ampliar o público e garantir que os livros continuam a ser relevantes para a nossa cultura. Portugal tem de deixar para trás o elitismo literário que dominou a nossa sociedade e abrir as portas aos novos e jovens autores – e falo tanto para as editoras como para a imprensa.


Voltando à Lisa: “contar histórias é fundamental para o ser humano. É como exploramos e conhecemos o mundo e nos entendemos uns aos outros. Porque os livros nos absorvem e exploram a nossa imaginação, eles são um meio essencial para contar histórias – e um meio bastante satisfatório. A ideia de que estes benefícios e prazeres são apenas para um conjunto limitado de qualquer população é perigoso. Os livros não são exclusivos”!


Eu criei o BookGang porque sonhava em criar uma comunidade – não só como forma de auto-promoção para angariar mais leitores para os meus livros mas, acima de tudo, como forma de chegar a mais pessoas e de levar a paixão da leitura a esta geração tão digital. E esta festa é mesmo de convite aberto a toda a gente. Foi com enorme prazer que em meados de Janeiro, depois do BookGang ganhar oficialmente vida (após dois anos a ser apenas uma hashtag na minha conta pessoal), comecei a ver tanta gente a criar páginas de livros, clubes do livro e desafios de leitura. Se todos usarmos este nosso poder de comunicação para influenciar quem está à nossa volta e os nossos círculos, real ou digitalmente, a conversa em torno dos livros vai voltar a acontecer. E podemos falar sobre os batons, os sapatos, as roupas, as influencers, o Instagram, as coisas da moda e também podemos falar sobre o último livro que lemos. 


A FNAC desafiou-me a mostrar 10 livros que marcaram a minha vida no Instagram mas eu optei por abordar esta ideia de forma mais abrangente: escolhi 12 livros de 12 autoras mulheres que acho que vão despertar o bichinho da leitura em qualquer uma de vocês que me lê aqui – desde romances históricos, a livros juvenis, clássicos e grandes narrativas. Foram 12 livros que me deram bastante prazer a ler e que me fazem crer que, NÃO, A LITERATURA NUNCA VAI MORRER enquanto houver histórias como estas para contar.


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