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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Histórias de Girl Power #2 Tive medo de acordar e continuar a não gostar do meu corpo


Conheci a Catarina há uns anos graças a uma troca de contactos depois do projecto Vive a Tua Beleza. Na altura, a Catarina quis partilhar um pouco da sua história e da forma como somos influenciados pela maneira como os outros nos veem e o impacto que isso tem na própria percepção que temos de nós fisicamente. E o que eu gostei na Catarina foi a sua atitude bad ass. Gostei disso porque, na verdade, a mudança parte sempre de nós. E não vale a pena estarmos constantemente a queixar-nos da vida mas continuarmos a fazer todos os dias exactamente a mesma coisa à espera que algo mude como que por milagre.

Eu queria escrever livros e trilhar um caminho independente. Então fiz o quê? Despedi-me e atirei-me aos leões. Não passei anos a queixar-me da vida de merda que tinha e do quanto era explorada na revista onde trabalhava. A Catarina queria deixar de se sentir estranha dentro do seu próprio corpo. Então fez o quê? Aos 19 anos – faz exactamente agora onze anos – submeteu-se a uma cirurgia para alterar algo que, dentro dela, não a fazia sentir-se ela própria.


Fui para a cirurgia entusiasmada mas com medo de acordar e continuar a não gostar do meu corpo

“Comecei a desenvolver um corpo feminino muito cedo. Sabes aquelas miúdas que anseiam crescer e começar a usar soutien porque isso significa que estão a tornar-se mulheres?” – perguntou-me quando nos encontrámos para conversar para este post. Sim, sei. Porque eu “saía ao pai”, diziam-me as pessoas, então colocava algodão dentro das camisolas para dizer que já tinha maminhas. Mas com a Catarina foi o oposto e quando somos adolescentes e miúdos estúpidos, nem temos a noção da forma como podemos destruir alguém com os nossos comentários.

“Eu nem tive tempo para pensar nisso – contou-me – pois mal dei por mim já estava nessa fase. Creio que, se ninguém me tivesse dito nada e me tivessem deixado em paz, nunca me teria sentido diferente e desajustada mas os adolescentes conseguem ser maus.”

Esta não é uma história de bullying. É exactamente o oposto disso. Aos doze anos, a Catarina já tinha um peito maior do que qualquer outra rapariga e começou a ser alvo de atenção masculina não solicitada. “Mais vezes do que aquelas que consigo lembrar-me”, diz. Tentavam tocar-lhe, perseguiam-na pela escola e ela era vítima de uma atenção constante que estava longe de corresponder ao que uma menina de doze anos queria. E enquanto eu, Helena, procurava soutiens cor-de-rosa e adequados à minha mentalidade de criança com algodão nas maminhas, a Catarina contou-me que os soutiens que existiam para ela eram longe daquele ideal fofinho esperado. “Tive de usar peças de mulheres adultas que em nada iam de encontro ao meu gosto pessoal, faziam-me sentir diferente, distante do mundo a que supostamente deveria pertencer. Usar tops curtos? Nem pensar. Com o peito que tinha, se não queria que me chamassem nomes ditos vulgares tive de me convencer que não podia vestir-me como as minhas amigas se vestiam.”

Hoje em dia isto pode parecer demasiado dramático. Mas vou relembrar que no início do milénio não havia redes sociais. As raparigas de doze anos não se maquilhavam nem tiravam fotografias sensuais para o Instagram. E não era divertido parecer-se mulher quando ainda se pensa e se sente como uma criança.

“As aulas de educação física eram um martírio porque correr e fazer desporto não me era confortável. Quando tens corpo de mulher antes do tempo és assediada a torto e a direito, até por homens muito mais velhos que não olham para o teu rosto infantil mas sim para as tuas mamas de mulher. Não te sentes segura e sentes-te completamente envergonhada. Eu, pelo menos, senti durante vários anos. E isto pode não parecer nada de especial comparativamente a problemas de saúde realmente graves, mas foi algo que enfraqueceu a minha auto-estima durante demasiados anos. Quando és objetificada e impedida de expressares a tua individualidade através daquilo que vestes, a tua auto-estima sofre. Não é mistério nenhum. Nem hoje nem há vinte anos.”


Se as pessoas à minha volta não tivessem sido tão cruéis, será que o tamanho do meu peito teria sido assim tão problemático? 

Quando fez 19 anos, a Catarina decidiu fazer uma mamoplastia redutora. Isto pode parecer algo insignificante mas tudo aquilo que mexe com a nossa auto-estima não pode ser minimizado nem relegado para segundo plano. Se há algo no vosso corpo que vos incomoda e a mudança está ao vosso alcance, só depende de vocês correrem atrás dela. Eu tinha dentes tortos e isso fazia-me sentir a rapariga mais feia de uma sala. Sentia-me sempre inferior em comparação com as minhas amigas. Em resultado, usei mais aparelhos do que aqueles que me consigo lembrar. Usei aparelhos de que nunca tinha ouvido falar na vida. Arranquei dentes, alinhei maxilares e fiz trinta por uma linha, sofri horrores, passei dias e dias sem comer, sem dormir, tinha elásticos em toda a boca, dormia com moldes bizarros e tinha, basicamente, boca de Robocop. Chamavam-me ‘Bafo de Ferro’ e tantos outros nomes mas eu ria-me. Porque eu queria usar aparelho. Eu queria ter os dentes direitos. Eu.

Era uma escolha minha. Uma mudança que eu queria fazer. Tal como a Catarina.

E o que mudou?, perguntei-lhe.

“Às vezes penso em como teria sido na altura se soubesse o que sei hoje. Teria feito um esforço maior para me aceitar como era? Se as pessoas à minha volta não tivessem sido tão cruéis, será que o tamanho do meu peito teria sido assim tão problemático? Será que teria afectado a minha identidade de alguma forma? Se a operação me trouxe a confiança e a mudança de que tanto precisava? Inicialmente não. Na verdade, a primeira coisa que fiz quando cheguei a casa foi experimentar t-shirts e tops que a minha mãe me tinha oferecido ao longo dos anos e que não conseguia vestir porque achava que me ficavam mal. Claro que depois da operação ficavam, bem… melhor. Mas, ainda assim, chorei. Olhei-me ao espelho com a nova roupa que nunca tinha usado por odiar o meu peito e chorei na mesma. Tinha aquilo que queria, um peito dito normal, mas já não me reconhecia. Se antes achava que tinha uma identidade frágil, agora achava que não tinha nenhuma porque aquela era outra pessoa. Pode parecer estúpido mas quando és adolescente e algo muda radicalmente no teu corpo, não estás preparado para isso.”

A Catarina disse-me que acabou por falar com o médico que a tinha operado sobre como não se identificava com o seu novo peito. Mas ele disse-lhe para dar tempo e deixar as mazelas da cirurgia recuperarem. Terá sido a recuperação ou talvez o crescimento interno que acabaram por lhe dar força e maturidade na forma como se via ao espelho.

“O que quero dizer é que quando somos pessoas seguras e bem resolvidas não nos deixamos afectar tanto pelo nosso aspecto físico. Quando olho para trás lamento não ter tido esta força de contrariar tudo e todos e gostar de mim mas também sei que era muito nova para ter este discernimento. Ainda assim, sei que a minha vida melhorou e a cirurgia foi o melhor que fiz até a nível de saúde. Tinha muitas dores de costas devido ao peso do peito o que, aos dezoito anos, não é suposto e a longo prazo só teria piorado.”

Como teria sido a sua vida se nunca se tivesse sentido tão estranha no seu corpo?

Catarina sorri: “Não sei nem nunca vou saber mas sei que, pelo menos, gosto de mim como sou. Hoje em dia, sim. Sei também que qualquer que fosse a minha decisão iria sempre requerer coragem. Tanto coragem para ter optado por uma cirurgia como coragem se não o tivesse feito.”

Aceitarmo-nos como somos requer coragem mas mudar o que não gostamos por nós e só por nós – oh sim! – é a maior bravura de uma vida. Porque é mais fácil queixarmo-nos. Ter coragem para nos atirarmos aos leões é o que faz o girl power.

Se quiserem acompanhar as aventuras da Catarina, podem segui-la aqui.

Se quiserem partilhar a vossa história de GIRL POWER, falem comigo 🙂


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