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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Orbiting: a nova forma de terminar uma relação mas continuar presente


Ter alguém a dar-nos com os pés é mau. Mas ter alguém que simplesmente deixou de responder às nossas mensagens e foi desaparecendo da nossa vida real devagarinho (ou bem rápido para os mais corajosos) mas continua lá na nossa vida virtual é masoquista. Porque é que já não conseguimos dizer adeus?

Deixem-me contar-vos esta história estúpida. Não uso muito o Facebook. Ou não uso quase nada. Mas um dia destes estava a ver o que por ali se passava e tinha um pedido de amizade de um tipo com quem tinha dezenas de amigos em comum porque tinha sido da minha escola. De repente, lembrei-me de uma noite há muitos, muitos anos em que, depois de uma festa, ele me deu boleia e no carro dele, porque eu nem sequer conduzia, trocámos beijos daqueles bem longos e javardões à porta da minha casa. E agora ali estava ele a aparecer no meu Facebook para dar um olázinho.

Acabei por olhar para o meu próprio Facebook – e até sou daquelas que nem sequer aceito muita gente. Tenho quase 1300 amigos. Provavelmente nem conheço metade. São pessoas que fui aceitando aqui e ali, pessoas com quem já me cruzei em trabalhos ou deste meio do digital e da imprensa e que acabo por aceitar. Vamos supor então que o resto são conhecidos e amigos com quem já me cruzei ao longo da vida: das escolas, das universidades, amigos de amigos, ex-colegas de trabalho e por aí em diante. As redes sociais são exactamente isto: pessoas do nosso passado que estão permanentemente no nosso presente. Perto da vista mas longe do coração.

E isto é orbiting no dia-a-dia. Se transportarmos isto para o orbiting das relações, aquele que deixa mossa e nos destrói a auto-estima, minha gente, isto é infernal.


Mas o que raio é o orbiting, perguntam-se vocês?

Explicando de forma bem rápida: é aquele idiota por quem achavam que estavam apaixonadas, que desapareceu do mapa mas que agora continua a ver tudo o que fazem. Pessoalmente, prefiro deixar o passado bem lá guardado e enterrado. Ou seja: não me interessa seguir, ver nem saber o que a outra pessoa anda a fazer – e muito menos se me deu cabo do coração. Ainda ontem um ex-namorado me ligou para me dizer que se tinha despedido. Falámos um bocado sobre isso, ele queria saber como era a minha vida de freelancer e tal e ainda nos rimos imenso ao telefone. Mas não faço ideia o que faz da vida dele porque não ando a ver as suas redes sociais todo o santo dia.

Se vocês têm uma pessoa que parece que orbita em torno da vossa vida virtual, vê tudo, mete like em tudo mas, bem, partiu-vos o coração nem sequer teve um grande interesse em ver se vocês estão bem… isto é o orbiting. E faz mal.

Estava a ler a crónica do The Guardian que explica isto de forma engraçada: ghosting é quando alguém termina connosco ao desaparecer lentamente da face da terra. Não nos responde às mensagens, não atende o telefone e não diz nada na esperança de que percebamos a indirecta e deixemos o assunto por ali. É como se tivesse morrido. E é a forma mais cobarde e cruel de dar um chuto no rabo a alguém. Sofremos mas, enfim, a outra pessoa foi engolida pelo planeta e desapareceu. Bye.

Mas agora imaginem que este fantasma regressou do mundos dos mortos para fazer um check-in ocasional nas nossas redes sociais? Não respondeu mais às nossas mensagens mas está a ver os nossos stories. Afinal está vivo. E agora também está a fazer likes nas nossas fotos. Está de novo interessado? Está arrependido do que nos fez? Quer voltar a falar connosco? Devemos meter conversa? Devemos esperar por um olá nas mensagens privadas?

NÃO!

Isto é apenas o Orbiting. E é por isso que deixa mossas tão grandes. Porque nos envolve novamente em dúvidas estúpidas sobre alguém que não nos quer ver mas apenas dar o ar da sua graça. Confunde a nossa cabeça. Essa pessoa continua sem se importar o suficiente connosco para entrar em contacto. Apenas está a lembrar-nos ocasionalmente que existe. 

Este termo foi cunhado pela escritora Anna Iovine que o descreve como “próximo o suficiente para nos vermos uns aos outros, longe o suficiente para nunca nos falarmos”. E já está no Urban Dictionary: quando uma pessoa que nos dispensou continua a vigiar a nossa vida através das redes sociais, seja a ver stories, a fazer likes ou a comentar nas nossas fotografias.

E é isto. São os tempos modernos. A era das relações virtuais. A perda da capacidade de dizermos adeus. Porque sentimos a obrigação de ver tudo o que o outro anda a fazer. Antigamente, e depois de nos partirem em cacos, nunca mais víamos as pessoas. Era um adeus e fica bem. Até à próxima ou até outra vida. Não éramos constantemente confrontados com a vida do outro. Mas hoje levamos todos os dias com excesso de informação sobre as outras pessoas. Pessoas que nem sequer deveriam fazer parte do nosso presente.

Há aquele ex que vê todos os stories, sempre ali na primeira fila. Há aquele que faz likes em tudo e mais alguma coisa. Há até aquele que, volta e meia, e quando se sente mais ousado, até deixa um comentário. Há aquele que manda piadinhas por mensagens. E aquele que está sempre tão presente que sabemos que, se um dia nos sentirmos demasiado sozinhas, podemos lá ir bater à porta. E há aquele que nos lixou a cabeça e o coração e que gostamos de “perseguir” só porque sim, só porque podemos. Só para ver o que é que anda a fazer. Mesmo que isso seja quase sádico.

A verdade é que muitas coisas ficam melhor arrumadas lá no passado sem terem de estar constantemente a aparecer nos nossos ecrãs. E o mesmo se diz das pessoas que mantemos perto dos olhos e longe do coração. Fazemo-lo porquê? Qual a necessidade em se estar constantemente a acompanhar o que a outra pessoa faz?

Vivemos na era das relações fáceis onde a sua manutenção é rápida e prática: uma mensagem, um like, um comentário e está feito. É como se estivéssemos sempre presentes. Mas não estamos.

Assim, deixo duas mensagens: parem de procurar as “sobras” virtuais do outro, custe o que custar. E não deixem que ninguém vos faça orbiting, que vos confunda, que vos dê todos os dias um restinho da sua atenção e, com isso, vos deixe ainda mais ansiosas e a questionar se há ou não interesse.

Na grande maioria – se não todos – dos casos, não há. Se houvesse interesse não estavam escondidos a ver os vossos stories mas sim a passar tempo físico e real convosco.

Tempo de qualidade. E não tempo virtual.

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