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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Porque continuamos a estar com pessoas que são o oposto daquilo que queremos para nós?


Há uns anos conheci um tipo numa festa. Era amigo do namorado de uma amiga minha. Dançámos e conversámos. E voltei para casa.

A história podia ter acabado aqui mas eu tinha uma especial tendência para me encantar por homens que, à primeira vista, não me diziam nada nem sequer chamavam a minha atenção. Não sei o que era. Se a convivência que cria habituação, a eterna crença de que aquele é que podia ser o tal ou a peculiaridade de não terem rigorosamente nada a ver comigo que acabava por se tornar o gatilho para querer explorar. E nas relações, acreditem, fui a Dora. Dora, the explorer.

Deixem-me dizer-vos o que aconteceu. Ele era jogador de futebol, tinha um cabelo à tigela que abanava para o lado para afastar a franja dos olhos, usava sapatos de vela, saía todos os fins-de-semana com as suas camisas aos xadrez, bebia tanto que conseguia ouvir o fígado dele a reclamar e era, basicamente, um mulherengo. E estou a ser simpática nesta minha descrição. Era egoísta, vaidoso e cheio de manias de superioridade. E claro que era atraente. Só os homens que sabem que são bonitos se comportam assim. Uma rapariga entornou-me uma vez uma bebida em cima e puxou-me os cabelos no Jezebel por causa dele e ainda estou para saber o que aconteceu naquela noite. E quando os seguranças nos expulsaram, ele deixou-me na rua e não saiu porque queria continuar a sua noite (wtf? eu sei…). Naquela altura, dei por mim a ser uma pessoa que não sou. Saía todos os fins-de-semana, ia para onde quer que ele fosse e tornei-me, não a sua namorada, mas a sua companhia de sábado à noite. E eu, deslumbrada, lá ia. Festas em casa de amigos dele? Eu ia. Tamariz? Jezebel? Kapital? Eu ia. Sair na noite de Natal? Claro que fui. Ele. Ele. Ele. Tudo ele.

Passaram-se meses e isto durou e durou e durou. Mesmo sabendo – ou fingindo não saber – que ele estava com outras raparigas. Mas depois dizia-me que não, ligava-me e eu abria a porta. Vinha ter a minha casa de madrugada e eu deixava-o dormir. Bêbado. Na minha cama. Não sei quando se deu o click mas fomos a um festival em Sagres e passámos o resto da semana com amigos em Armação de Pera. E numa noite, estavam todos a fazer jogos idiotas de álcool e eu num sofá no fundo da sala a ler qualquer coisa. Lembro-me de olhar para ele e pensar: mas o que estou a fazer há meses e meses com este tipo? Lembro-me de ir dormir e ele continuar, bêbado, naquele joguinho infantil com os amigos. Lembro-me de mais tarde terem ido para uma discoteca e terem chegado já de manhã quando eu estava a tomar o pequeno-almoço. Não me chateei nem nada que se pareça. Sinto sempre que cada pessoa deve fazer o que lhe apetecer e sentir-se livre para tal. Mas lembro-me de voltarmos para Lisboa e cada um ter seguido a sua vida.


É mais fácil aceitar tipos que nos dão migalhas porque dizer que não é uma merda

E isto foi algo com que matutei durante muito tempo: quão apaixonada eu estava para ter estado quase um ano com alguém que nunca me conheceu minimamente e que era o oposto daquilo que procuro para mim? E seria possível voltar a acontecer-me? Iria voltar a aceitar menos do que aquilo que quero? E sempre senti que precisava de ter controlo nas minhas escolhas e, acima de tudo, controlo na forma como lido com os sentimentos. Porque é fácil estarmos apaixonadas e deixarmo-nos levar por essa paixão. É fácil ignorar todos os sinais e deixar que brinquem com o nosso coração. É fácil aceitar migalhas quando queremos comer um pão inteiro (gostaram da analogia? É que eu adoro pão). Tudo isto é fácil porque dizer que não é uma merda.

Estivemos provavelmente um ano sem nos vermos. Eu continuei com a minha vida (e claro que sofri mundos e fundos, chorei e odiei tê-lo conhecido) e, entretanto, conheci outra pessoa. Viria a estar quatro anos com esta nova pessoa em questão mas, quando o voltei a ver, a nossa relação ainda estava no início. Ainda não tinha bases e vivíamos naquela fragilidade de dois estranhos que se estão a conhecer. No aniversário desta minha amiga (que ainda continuava com o mesmo namorado e amigo dele), acabámos por ficar os dois sozinhos sentados no muro do Tamariz enquanto a minha amiga e os seus amigos iam não sei onde fazer já nem me lembro o quê. Por esta altura, eu já pouco ou nada saía e já estava a caminho de me tornar a velha que sou hoje mas abria (e continuo a abrir se estiver de bom humor) excepções para aniversários e afins. Ficámos ali algum tempo em silêncio até que ele me pediu desculpa. Apenas isso. Desculpa por tudo o que tinha feito e a forma como não tinha sabido lidar com a nossa relação que, na verdade, nunca foi uma relação. O grupo do aniversário acabou por chegar, entrámos no Tamariz e continuámos a falar os dois. Lembro-me de estarmos de mãos dadas a tentar furar pelas pessoas e de sentir o meu coração a bater mais rápido. Encostámo-nos a uma parede a falar e nem sei bem o que é que falávamos porque não tínhamos nada para dizer. E tinha sido muito fácil voltar a acomodar-me ali, deixar-me ludibriar por aqueles sentimentos confusos, aquele nervoso estúpido no estômago, o toque da sua mão, o seu sorriso a dizer-me piadas ao ouvido como se eu fosse a única pessoa no mundo…

Claro que não fiz nada disso. Peguei nos meus cojones, coloquei-os no sítio (figurativamente falando que isto nunca se sabe quem lê e fica a pensar coisas erradas), fui embora e fui ter com a outra pessoa com quem acabei por viver quatro anos felizes. Tão felizes que ele não entra no Diz-lhe que Não porque é, de facto, um bom homem. Do outro? Não sei nada. Sei que continua a jogar futebol. E das poucas vezes que o vi – adivinhem lá… sim acertaram – foi na noite. Numa ou outra discoteca em que ia por casualidade num qualquer aniversário. E em que ele lá estava.


Isto é para a minha amiga que está a ler isto e não sabe dizer que não

Falo disto porque uma das minhas amigas – que certamente está a ler isto agora – está apaixonada por um homem assim. Não é um betinho de sapatos de vela e cabelo à tigela mas é alguém que está longe de ser o amor que ela espera. É alguém que a trata mal, que fuma droga, que a engana, que mente, que desaparece e depois volta, que está uma semana sem dar sinal de vida para depois dizer que tem saudades dela, que sai todos os fins-de-semana, usa bonés… só falei nos bonés porque, sei lá, nenhum homem adulto usa bonés. E ela todos os dias me diz que sabe que ele não é para ela. Mas todos os dias vai dormir com vontade de estar com ele. Só com ele. Ele. Ele. Ele.

Eu que, hoje em dia, acredito já ter a capacidade para saber dizer que não, questiono-me porque continuamos a estar com pessoas que são o oposto daquilo que queremos para nós? Porque nos deixamos ludibriar por esta falsa sensação de amor? Esta familiaridade que nos cria segurança. Sabemos que nos faz mal mas é o que conhecemos. E é mais fácil assim. É mais fácil aceitar que nos diga que tem saudades nossas e depois desapareça por mais uma semana do que dizer ‘não quero mais falar contigo’. E eu sei que é mais fácil porque também o foi para mim.

Mas enquanto continuarmos a estar no conforto do que nos cria segurança – mesmo sendo uma segurança má – jamais nos vamos aproximar daquilo que realmente queremos e precisamos e gostamos. Se eu tivesse cedido àquela vaga sensação de qualquer coisa que já conhecia, não tinha vivido os quatro anos seguintes com uma pessoa que me mudou e me fez tão feliz. Não foi o feliz para sempre. Mas foi o feliz e ainda bem que aconteceu.

E, acreditem, dizer que não quando temos os sentimentos descontrolados e só queremos dizer que sim é uma merda. Mas é a partir daí que vamos estar mais perto da pessoa com quem realmente vai valer a pena partilhar a vida.

Na fotografia: casaco Mahrla e botas vinil Jumbo Moda.

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