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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Porque é que a nossa vida amorosa não é uma série de televisão?



Acho que já toda a gente percebeu que sou papa-séries. Principalmente séries de comédia. Há todo um imaginário fantasioso de viver numa comédia que eventualmente tem a capacidade de nos fazer mais felizes porque nos conseguimos identificar com as situações. Ou não, o mais certo é apenas tirarmos algumas ideias do que nunca fazer na vida real. Mas, na verdade, se vivêssemos numa sitcom, a nossa vida seria tão mais fácil. Em todos os aspectos. E é isso que vos juro, me deixa mesmo lixada – quanto mais as vejo, mais irritada me sinto por viver na vida real. Estou a praticar o meu sentido de humor hein?

Na nossa vida real toda a merda que fazemos tem consequências. E aquele momento em que “no final, tudo acaba por se resolver” nunca mais chega. Na nossa vida real, os idiotas são sempre idiotas. Não são, no fim, um tipo porreiro que acaba por se revelar maravilhoso. Podem até ser, mas não para  o nosso “final feliz”. Na nossa vida real, não somos a Cinderela e o universo não conspira para que tudo corra a nosso favor. Na verdade, vamos passar por provações, sofrimento e desgraças que, no final do dia, nem sequer conseguimos compreender porque nos estão a acontecer por mais mensagens que daí tentemos retirar. Na nossa vida real, não há um grande gesto que nos faz esquecer tudo o que de mau aconteceu porque no final há sempre uma lição a aprender. Na maioria das vezes, continuamos simplesmente sem entender porque vivemos o que vivemos.


Mas-que-raio-há-de-errado-com-as-nossas-vidas?

Então, quantas mais sitcoms vejo, mais me pergunto mas-que-raio-há-de-errado-com-as-minhas-relações? É que, vejam bem, numa sitcom que salta entre os apartamentos e o café, as personagens têm mais relações que eu que ando quilómetros em Lisboa. E nunca vi tantos prédios com vizinhos bonitos. E cafés com tanta circulação de homens disponíveis e que metem conversa e dão o primeiro passo. Então, mas-que-raio-há-de-errado-com-as-nossas-vidas?

Aqui me confesso absolutamente fã das séries da Netflix – LOVE, Easy, Atypical, Amigos de Faculdade, Casa das Flores, As Telefonistas, Glow, Orange is the New Black… podia ficar horas a falar sobre todas estas séries. Porque algumas são um pouco mais realistas que as sitcoms a que estamos habituados (como a Love ou a Easy) e outras simplesmente nos transportam para outros universos (quem diria que ia adorar Glow, uma série sobre mulheres do wrestling nos anos 80?).

Na Love vemos um grupo de jovens iguais a nós cheios de dúvidas, medos e traumas a tentar simplesmente fazer o amor funcionar (a série não vai ter mais nenhuma temporada mas a Mickey e o Gus são inesquecíveis) e na Easy vamos acompanhando, em cada episódio, a vida de casais diferentes, com histórias de vida e provações absolutamente relacionáveis.

E, para mim, isto é muito mais credível que sitcoms românticas clássicas como How I Met Your Mother ou Friends. Adorei as duas mas não deixo de lhes identificar muitas premissas fantasiosas. Se formos a pensar, na vida real, as probabilidades de conhecermos alguém numa livraria são nulas. Ou num parque. Ou no elevador do prédio. Ou porque alguém entornou uma bebida em cima de nós. Ou porque alguém nos deu um encontrão e virou a nossa mala no chão. As probabilidades duvidosas são infinitas. Mas elas estão lá todas nas sitcoms e fazem-nos suspirar com este serendipity irreal. Todos nós gostamos de viver agarrados à fantasia do destino e dos acasos que estavam destinados mas, c’mon, em 99% dos casos não nos vai acontecer nada disto.

Por mais que tentemos acreditar que somos a excepção, todos nós somos a regra

Não vamos conhecer ninguém no café porque toda a gente trabalha o dia inteiro. Não vamos conhecer ninguém na livraria porque os homens estão a beber cerveja no bar do lado. Não vamos conhecer nenhum vizinho maravilhoso novo no prédio porque não há casas para arrendar aos pontapés. E ninguém nos vai enviar flores para o trabalho porque isso é caro para caraças. E ninguém nos vai levar em viagens surpresa porque pedir férias ao patrão fora de época é um pesadelo. E ninguém nos vai beijar à chuva porque ninguém quer apanhar gripe. E ninguém nos vai entornar a bebida em cima de nós e apaixonar-se porque o mais certo é ficar furioso por ter de pagar outra. E ninguém vai correr atrás de nós pelo aeroporto sob risco de ser confundido com um bombista e, sei lá, levar um tiro e morrer. E o amor da nossa vida não vai interromper o nosso casamento com o quase-amor-assim-assim porque os casamentos são uma fortuna e só se formos muito estúpidas é que vamos pagar uma festa com um homem à espera que aquele que realmente amamos acorde para a vida.

Então, por mais que tentemos acreditar que somos a excepção, todos nós somos a regra. Não há destino. Não há serendipity. Não há grandes gestos que vão mudar a nossa vida. Há pessoas reais iguais a nós à espera de ser encontradas. Pessoas que vão dar o primeiro passo e pessoas que esperam que sejamos nós a dar. Há pessoas com vidas complicadas. Há pessoas cheias de bagagem emocional. Há pessoas com medos. Há pessoas com traumas. Exactamente iguais a nós.

Se vivêssemos numa sitcom, eu já estaria divorciada três vezes com a quantidade de homens que circula naqueles locais totalmente disponíveis e à espera de saltar para o primeiro plano. Mas, na verdade, todos nós circulamos em pano de fundo à espera de nos encontrarmos uns aos outros. E se continuamos a acreditar no inacreditável – nos beijos à chuva e nos grandes gestos de amor no aeroporto – estamos condenados a nunca, nunca, nunca passar para o palco principal. Vamos continuar a ser figurantes de uma comédia romântica pouco credível ao invés de tornar a nossa vida uma verdadeira história de amor.

Este post foi inicialmente publicado em Março de 2017 e actualizado agora.

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