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  • Foto do escritorHelena Magalhães

A aprender a viver esta coisa das relações de amizade quando somos adultos


Às vezes quando estou a ver fotografias antigas dou por mim a pensar o que é que tinha em comum com tanta gente de quem no passado era amiga. Amigas das festas, das noites, dos copos, da praia, das discotecas, das roupas, da maquilhagem. Coisas que, hoje em dia, pouco ou nenhum interesse me dão.


E a verdade é que há momentos em que, com as voltas que a vida dá, vamos descobrindo afinidade com muitas outras pessoas. Quando me despedi e deixei de ter dinheiro para fazer a vida que fazia – saídas, compras, jantares, férias – deixei de me dar com muita gente que, afinal, não tinha grande interesse em estar comigo se eu já não estava disponível para esses planos. E foi aí que percebi que com muitas pessoas não tinha mesmo nada em comum. E será que alguma vez tive?


Claro que isto poderia ser triste mas, na verdade, é mesmo o ciclo natural da vida. Vamos conhecendo pessoas novas, afastando de antigas e mantendo algumas. Às vezes até podemos estar semanas, meses sem ver ou falar com algumas pessoas – porque a vida continua, vão para fora, têm filhos, casam – mas, quando estamos juntos, está tudo na mesma. E essas são amizades que fazem bem. E depois, claro, há os amigos do dia-a-dia, com quem falamos, desabafamos, trocamos ideias e passamos muito tempo sem fazer rigorosamente nada, apenas a estar. Esses são os amigos que mais gosto.


A fatalidade da nossa existência: ao longo dos anos, muitos amigos vão entrar e sair da nossa vida


Sabem o que é que dou por mim a pensar? Como era tão mais fácil ter-se amigos durante a infância e a adolescência. Porque as amizades eram muito mais simples. Gostas das Spice Girls? Eu também. Bora trocar fotografias delas? E voilá, nascia aqui uma amiga.


Quando chegamos a adultos, a coisa já não é tão simples assim. Já temos a nossa personalidade e individualidade marcada, já não nos identificamos com tanta gente como na adolescência, também já não temos pachorra para tantos fretes e, acima de tudo, já vivemos tanta merda e passamos tanto tempo a trabalhar e preocupados com responsabilidades de treta como as contas e a renda da casa, que o tempo para os amigos acaba por ser pouco e, desse modo, também nos tornamos mais seletivos.


E além da fatalidade banal da nossa existência que é o facto de, ao longo dos anos, muitos amigos irem entrar e sair da nossa vida, há também toda uma nova abordagem às amizades que é – claro que vou falar sobre isto – a existência das redes sociais.

O que é um amigo? Uma única alma habitando dois corpos. Quem dizia isto era Aristóteles mas ele não sabia que as redes sociais iam aparecer e o conceito de amigo ia tornar-se o mais desvirtuado possível porque o prazer do contacto humano real está a ser substituído por todos estes estímulos electrónicos e amizades superficiais. Tal como há as relações amorosas de Instagram para os likes, também há as de amizade. Vivemos na era em que temos mais e mais conhecidos mas cada vez menos amigos com quem podemos ser nós próprios e partilhar os nossos medos, alegrias, frustrações e vivências. Amigos que vão realmente preocupar-se connosco e querer saber de nós. Amigos que querem estar simplesmente presente na nossa vida e nós na deles.


Todos fazemos o nosso lobby de tentar agradar a toda a gente, mesmo a pessoas que não nos interessam minimamente


Agora tentamos agradar a toda a gente, comentar nas fotos de todos os nossos conhecidos, e oh! como tivemos tanta pena de não termos estado presentes naquele dia especial (mesmo que nunca tenhamos feito tenção de ir e inventado uma desculpa qualquer) e queremos, acima de tudo, estar virtualmente presentes para tirar fotografias que depois nos mostrem super felizes com amigas com quem, se calhar, não somos tão felizes assim.


Nos últimos anos, o meu círculo de amigos foi ficando cada vez mais apertado. Porque – e talvez o problema seja mesmo meu – não consigo deixar-me ir na hipocrisia das relações virtuais. Eu sou uma pessoa um pouco (ou demasiado até) emocional. E este novelo de lã que são as amizades emaranhadas faz-me mal. É o estar rodeada de pessoas que dizem mal umas das outras mas, de repente, estão a passar um fim-de-semana juntas e a encher o Instagram de fotografias e stories cheias de #girlsquad em como as amizades são tudo na vida. E eu simplesmente não consigo ser assim. E ver isso chega a ser tóxico. Faz-nos ter vontade de nos afastarmos. Assim, vou cortando mais e mais e afunilando mais e mais o meu círculo para me rodear apenas de pessoas que tenham as mesmas energias que eu.


Na verdade, acredito que há um limite de pessoas com quem conseguimos estar realmente em contacto e a partilhar a nossa vida. Sempre achei a palavra FOMO (fear of missing out) demasiado exagerada. Mas dou por mim a pensar que estas novas formas de viver a amizade são uma verdadeira ode ao FOMO. É esta necessidade de viver as relações de amizade nas redes sociais para os likes ao invés de viver tempo de qualidade e real com os amigos que nos fazem realmente bem.


Um dia destes, uma rapariga partilhava comigo que se tinha chateado com uma amiga em viagem porque ela queria simplesmente ir aos sítios instagramáveis para tirar fotografias para o seu Instagram. E aquela viagem entre duas amigas tornou-se numa corrida por meia dúzia de fotografias perfeitas ao invés da vivência de experiências e da criação de memórias. Outra partilhou que tinha ido ao Rock in Rio com uma amiga e o seu namorado e passou o tempo todo sozinha porque a amiga disse que tinha ido ao festival para o viver a dois e não a três. E ela acabou por se perder deles e eles também não tiveram muito interesse em encontrá-la.


Às duas eu respondi o mesmo: a amizade é suposto ser simples, sem grandes esforços, é algo natural, até meio animal, que vem cá de dentro. É como uma relação amorosa mas sem beijos e sexo, se é que me entendem. Os amigos que já só são como bolas de ferro amarradas aos tornozelos, é soltar da perna e deixar rolar para longe.


Porque, na verdade, também não temos tempo para alimentar todas estas relações difíceis com pessoas com quem já não temos nada em comum a não ser uma história passada. Nem para estar tão presente como antigamente em que passávamos os dias inteiros com os nossos amigos. Agora somos adultos. E temos que aprender esta coisa das relações entre adultos.

E eu também ainda estou a aprender.


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