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Foto do escritorHelena Magalhães

A carta que o Tom nunca me escreveu


Lembras-te quando nos conhecemos? Estava bêbado, a chorar por ter visto a minha namorada com outro. E tu estavas ali, sorridente, com um top às riscas amarelas, encostada à varanda com as tuas amigas. “É só uma namorada, vais ter muitas outras”, disseste entre gargalhadas. E tinhas razão. Tínhamos pouco mais de 20 anos e tantas outras passaram. Mas tu foste ficando, sempre ali entre o estar e o não estar, apesar de vivermos em países diferentes. Quando voltei para Portugal, procurei-te. Estavas a viver com um namorado e sei lá quantos anos passaram até te voltar a por a vista em cima. Nunca mais te larguei. E apesar de estares a 800km de distância, era como se estivesses simplesmente aqui. Conheci-te, provavelmente, como poucas pessoas te conheceram. Contaste-me histórias tristes da tua infância. Contaste-me episódios da tua vida que eu preferia nunca ter sabido, porque só me fizeram querer estar mais perto de ti. E quanto mais te conhecia, mais gostava de ti. Lembras-te quando vim a Lisboa nuns Santos Populares? Liguei-te dezenas de vezes. Mandei-te mensagens. Chamei-te nomes. Nunca me atendeste porque estava bêbado. Mas não dizem que o que dizemos bebidos pensámos sóbrios? E eu só pensava em ti. Mas tu tinhas tanta descrença em mim que às vezes mentalizava-me que, simplesmente, não gostavas de mim. E que arrastar esta pseudo-relação virtual era tempo perdido. Mas depois, aparecias a piscar no meu chat. Visualizava-te a sorrir enquanto teclavas parvoíces sobre o teu dia-a-dia. E fazias-me a mim sorrir só por ler os intermináveis monólogos que fazias. Como se estivesses esperado o dia todo apenas para falar comigo. Lembras-te quando vim a Lisboa e te convenci a ir a uma discoteca onde eu ia estar num aniversário? Não disseste nada, pensei simplesmente que não ias aparecer. Mas ali estavas tu encostada ao balcão com um macacão cinzento comprido que te deixava as costas nuas. Viste-me e viraste a cara. Disseste qualquer coisa ao ouvido da tua amiga, baixaste a cara e eu percebi que estavas envergonhada. Aproximei-me de ti a cambalear, agarrei-te a mão e abraçaste-me. Toquei-te as costas nuas e fiz força no abraço. Soltaste a cabeça para trás e deste uma gargalhada. “Estás a arrastar as palavras, estás bêbado”, disseste. E sim, claro que estava. Mas não te larguei a mão até dizeres que te ias embora. Como é que te podia deixar ir? Fiquei a olhar para ti a ver-te sair.  “A minha amiga queria ir embora”, disseste-me numa mensagem. “Volta”, pedi. Mas não voltaste. “Estás demasiado bêbado”, respondeste-me. Deixei-te fugir mas nunca te perdi de vista. Como é que podia não falar contigo? Como é que podia não pensar em ti? Mas eu vivo aqui. E tu vives aí. E sempre disseste que assim nunca iria funcionar. Conheci outra pessoa. E disse-te. E tu deste força para esta relação. Como é que podias dar-me força para uma relação e, ao mesmo tempo, escrever-me mensagens intermináveis sobre como seríamos perfeitos juntos? Fui para o Sudoeste e disseste que ias ter comigo no último dia. A outra pessoa apareceu. Ligaste-me, não te atendi. Não sabia o que fazer. Mas no fim da noite, acabei por te ligar porque precisava de te ver. Liguei-te mil vezes. Nunca me atendeste. “Vi-te bem acompanhado, acho que estás bem assim”, disseste numa mensagem. E fugiste para Lisboa nessa noite. Lembras-te quando te disse para ires ter comigo ao Lux? Estava em Lisboa e não te disse nada de propósito. Disseste que odiavas o Lux e que se eu estava cá e só te dizia para ir para os copos, era porque o interesse não era muito. Mas o que é que era suposto eu fazer? Saí de lá e fui ter contigo. Abracei-te, beijei-te e rodopiámos enquanto dançávamos como duas crianças. Não conseguia acreditar que estavas… comigo. Beijámo-nos durante toda a noite e fomos tomar o pequeno almoço. E depois, foste-te embora. Ali, no meio da chuva, abraçámo-nos uma última vez antes de eu voltar para Madrid. Ver-te sair de minha casa foi como se te tivesse perdido outra vez. Voltei à minha vida, à minha rotina, à minha namorada. “Fica com a pessoa que te faz feliz, porque essa pessoa nunca vou ser eu”, disseste. Teria largado tudo por ti mas disseste que não. E eu acomodei-me ao que era mais fácil e ao que sabia que não me faria sofrer. Mas, por mais que tentasse, não conseguia, simplesmente, afastar-me de ti. Não falar contigo era como viver num eterno vazio. Mas eu continuava aqui e tu, aí, aproximaste-te de outra pessoa. Essa pessoa era um amigo meu. Não consegui suportar isso, gritei contigo, enviei-te testamentos loucos às tantas da manhã. Como é que podias não querer ficar comigo mas com ele já querias? E tu costumavas gozar com ele. Como é que agora podias gostar dele? Teimavas em contar-me como estavam as coisas. Porque é que me massacravas assim? Dizia-te que eras sádica e tu rias-te e dizias que éramos amigos. Mas eu não queria ser teu amigo. Não assim. Lembras-te quando vieste ver a minha casa em Lisboa? Ficámos ali encostados à varanda a olhar para o céu. Depois, deitaste-te no meu sofá e falaste durante horas. Disseste que já não estavas com ele porque o tinhas visto num concerto com outra e saltaste para trás numa gargalhada quando te perguntei se tinhas ficado triste. É tão difícil ler-te ou saber o que te vai na cabeça. Tanto estás a olhar para mim e a sorrir como já estás a dizer que estás feliz por eu estar bem numa relação. Vieste ter comigo a Madrid. Menti à minha namorada para estar contigo. Passámos o fim de semana juntos e levei-te a conhecer a cidade. Tanto estavas feliz como, de repente, ficavas irritada. Não compreendia o que é que fazia para mexer, dessa forma, com o teu humor. Quando te levei ao aeroporto, abraçaste-me e entregaste-me uma carta. Foste embora e não olhaste para trás uma única vez. Fiquei ali, parado, com a carta na mão. Sentei-me no carro e li-a dezenas de vezes. Gostavas de mim, dizias. Pedias desculpa por toda a história com o meu amigo, insistias em contar-me as coisas porque querias que isso mexesse comigo para eu tomar uma atitude. E dizias-me que sim. Que querias que eu largasse tudo porque era comigo que querias estar. Sem mais medos. Durante todo este tempo, eu teria largado tudo por ti e tu sabias disso. Mas só agora é que me estavas a dizer isso? Fiquei com medo. Fiquei com medo do quanto gostava de ti. Com medo que não fosses a pessoa por quem me tinha apaixonado. Com medo de que a fantasia que criei à tua volta se desmoronasse com a realidade da nossa relação. Com medo que não gostasses tanto assim como dizias. Com medo de deixar a minha relação e depois a nossa falhar. E com medo do que estar contigo iria significar. E larguei-te. Desculpa por ser tão cobarde. Desculpa por te ter desiludido. Desculpa por ter ficado na minha vida rotineira, na minha relação assim-assim. Desculpa por não ter tido coragem de assumir a nossa relação perante os meus amigos, depois de todos saberem que tinhas estado com o outro. Desculpa por não ter conseguido arriscar. Desculpa por te ter dito mil vezes que gostava de ti. Desculpa por ter desejado tanto ficar contigo e, no momento em que me disseste que sim, recuei. Desculpa por ser este homem acomodado. Desculpa por não ter estado para ti quando mais precisaste. Desculpa por todas as vezes que deixei as tuas mensagens por responder. E pelas que te mandei a meio da noite, bêbado. Desculpa por não te ter apoiado quando te despediste do teu emprego. Desculpa por não ter acreditado em nós quando tu mais acreditaste. Desculpa por te ter deixado sozinha. Gostava que pudéssemos voltar atrás, às mãos dadas e aos beijos sob as estrelas. Gostava que a vida não fosse tão complicada. Gostava que pudéssemos mergulhar em nós dois e eu não tivesse medo do quanto tu consegues mexer comigo. És o meu paraíso, e eu vejo toda a minha vida contigo. Mas e se tudo isto for só uma fantasia? Talvez seja por isso que tenho tanto medo. E talvez seja por isso que te deixei partir.

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