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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Porque continuamos a comprar marcas com trabalho explorador e que destroem o ambiente?


Grande parte da indústria da moda é muito pouco transparente, exploradora, prejudicial para o meio ambiente e precisa urgentemente que nós – os consumidores – gritemos por mudanças. Infelizmente, as redes sociais, as bloggers de moda e o hiper-consumismo desmedido que se gerou em torno da moda, tornou-a uma indústria cada vez mais acelerada e que precisa de uma revolução.

Em Abril de 2013, o edifício Rana Plaza que alojava cinco fábricas de vestuário no Bangladesh caiu. Mais de mil pessoas morreram e mais de 2,500 ficaram feridas – a grande maioria eram jovens mulheres que faziam roupa para grandes marcas internacionais. Desde este dia, criou-se a Fashion Revolution que procura usar o poder da moda para mudar o mundo. Podem ler mais sobre isto no site da organização – FashionRevolution.org. E a premissa é simples:

Alguma vez pararam para pensar quem é que faz a roupa que vocês compram? Quanto é que essas pessoas ganham por esse trabalho? E como são as suas vidas? 

É que estas são as verdades negras por detrás da indústria milionária da moda muito bem tapadas por anúncios bonitos e campanhas pseudo-solidárias que chegam tão longe quanto a criação de coleções “conscious” como a H&M. Mas apesar deste papel quase bonito à superfície, a verdade continua lá no fundo bem escondida: a moda é uma das indústrias mais nojentas do mundo. O desperdício, a publicidade sexual, as questões humanitárias, o trabalho explorador, a destruição do ambiente e a lista poderia continuar. A Zara e a H&M são das marcas mais responsáveis pela poluição devastadora de ar e água nas fábricas de viscose na Ásia que despejam água tóxica não tratada directamente nos rios. E claro que dizem que estão preocupados mas nada fazem porque essas fábricas são mais baratas.

As nossas roupas passam por uma longa viagem até chegarem às prateleiras das lojas a que corremos de forma compulsiva para nos sentirmos bem. Passam pelas mãos de produtores de algodão, máquinas de fiar, tecelãs, tinturas, costureiras e outras paragens até chegar até nós. Cerca de 75 milhões de pessoas trabalham para fazer as roupas que compramos nas lojas de mass-market. No entanto, a maioria das pessoas que fazem roupas para o mercado global vive na pobreza, incapaz de pagar as necessidades básicas de vida e sujeitos a abusos físicos, exploração, trabalhando em condições inseguras, sem higiene e com salários muito, muito baixos. Literalmente, nunca conseguiriam comprar um par de calças que fazem para nós.

O que é que podemos fazer? Já lá vamos.

5 verdades que a indústria da moda não quer que vocês saibam

O Huffingont Post abordou cinco pontos bastante interessantes que vou resumir aqui.

Primeiro. A indústria da moda é a principal culpada do consumismo extremo que veio na onda das redes sociais. Algures no passado, havia duas temporadas de moda: a primavera/verão e o outono/inverno, lembram-se?. As lojas de fast-fashion que vocês tanto adoram (Zaras e companhias) produzem actualmente 52 micro-temporadas por ano, com novas coleções a sair a cada semana com o objectivo de levar os consumidores a comprar mais e mais e mais e mais. Isto criou a fast-fashion que (não se deixem enganar) opera num modelo simples: baixa qualidade e alto volume. Lojas como a H&M e a Forever21 (não necessariamente em Portugal) recebem envios diários de novos modelos nas lojas e a Topshop apresenta 400 novas roupas por semana no seu site. Não admira que nos sintamos fora de moda após a primeira utilização que demos a uma peça.

Segundo. Os descontos não são bem descontos e somos muitas vezes enganados. A Lefites não é o outlet da Zara. É, na verdade, roupa produzida a um custo ainda menor em fábricas de baixa qualidade, com tecidos mais baratos e pessoas ainda mais exploradas.

Terceiro. Há químicos tóxicos em todas as vossas roupas. Muitas marcas de fast-fashion assinaram um acordo em que concordavam limitar o uso de metais pesados nos seus produtos mas continuam a não o fazer. Isto significa que vocês têm malas, cintos e sapatos contaminados com chumbo acima do valor legal e isso traz uma série de danos para a saúde mas já nem vou chatear com isso. Fica um tema para outro dia.

Quarto. Uma das coisas que vim a notar ao longo dos anos foi como a roupa da Zara se foi tornando mais e mais e mais – perdoem-me – merdosa. Tentei comprar um casaco de inverno este ano e tive de desistir da ideia. Todos os tecidos eram nojentos, agarravam tudo o que era pelos e muitos já tinham borbotos de andar aos trambolhões na loja. Os gigantes da “moda rápida” como a Zara e a H&M dependem do desejo do consumidor em ter roupas novas. E é óbvio que isto vai acontecer se a roupa for de má qualidade e se estragar em meia dúzia de utilizações. Uma loja como estas produz centenas de milhões de peças por ano. A qualidade não é o seu foco mas sim a rapidez com que nós queremos comprar outra peça. Isto leva a outra preocupação. O desperdício de roupa que se atira fora por ano – não aquelas que doamos ou vendemos mas sim aquelas que atiramos para o lixo porque já estão nojentas. E essas roupas são feitas com fibras sintéticas à base de petróleo e vão levar décadas para que se decomponham.

Quinto. O bicho-papão destas gigantes da “moda-rápida” é o trabalho infantil apenas porque as roupas são feitas em fábricas que preferem mão-de-obra barata e infantil a comprar máquinas que são caras. Milhões de trabalhadores passam os seus dias escondidos em algumas das regiões mais pobres do mundo a costurar os conteúdos do guarda-roupa global. Muitas vezes, toda a família trabalha ali numa premissa de tirania: ganham uma miséria que ainda assim os obriga a lutar pelo mais rápido que conseguirem costurar, pelas mais peças, pelas mais horas até a luz do dia permitir para fazer mais roupas que caibam nos nossos roupeiros atafulhados de trapos.

E agora, o que é que podemos fazer?

Um boicote. É tão simples quanto isso. Ninguém vai morrer se não comprar vinte peças de roupa nova por mês para mostrar no Instagram. Temos de quebrar este vício por mais quantidade e mais rápido. Como sociedade, compramos mais 400% de roupas hoje do que há apenas 20 anos. E é preciso mudar esta mentalidade e pensar no verdadeiro custo das pechinchas baratas que compramos compulsivamente todos os meses nas lojas como Zara, H&M ou Primark. Mas a verdade é que até podem comprar – porque há muitas opções para onde se podem virar sem ser as marcas massivas de “moda rápida”.

E é sobre isto que quero falar. A minha vida mudou radicalmente no último ano. Eu também era uma consumidora compulsiva. Não quanto muita gente porque também não tinha dinheiro para isso, mas o suficiente para perceber que isso era um problema. Comprava roupa por impulso, por vontade em ter algo novo para estrear, para me sentir bem, mais bonita, para estar na moda e, todos os anos, doava ou deitava fora quilos e quilos de roupa que já não queria ou já se tinha estragado por ser de péssima qualidade.

Desde Abril de 2017 que não compro roupa em lojas de “moda rápida”. Não quero com isto dizer que me tornei fundamentalista porque já disse em vários contextos que nunca o sou. Não deixei de entrar na Zara numa atitude ultra-extremista. Apenas deixei de entrar com a necessidade de comprar qualquer coisa que nem sabia muito bem o que era. Passei nos saldos para ver se havia algo que precisava (como um casaco) mas não encontrei nada de jeito. Ainda assim, comprei umas calças de ganga. Mas apenas isto e procuro, ao longo do tempo, deixar de comprar de vez. Será o meu boicote pessoal. Sozinha não consigo mudar o mundo, é certo. Mas se todos fizermos o nosso boicote pessoal e deixarmos de comprar vinte peças por mês e passarmos a comprar só três, aí sim, já estaremos a mudar o mundo.

Comprar roupas em segunda-mão e de marcas com uma posição mais feliz na indústria da moda

Nos últimos meses, comecei a procurar cada vez mais roupa em segunda-mão para evitar o desperdício e a apostar noutras marcas que sejam acessíveis ao valor que posso gastar em roupa mas, ainda assim, com uma responsabilidade social e ambiental.

Toda a gente sabe que tenho uma relação com a Auchan mas isso não é só porque temos um contrato comercial e em troca tenho de dizer coisas bonitas. Provavelmente o que vocês não sabem é que a Auchan criou a fundação Weave Our Future para desenvolver e melhorar as condições de vida dos trabalhadores nos países onde produzem a sua roupa e marca In Extenso. Todas as fábricas são auditadas do ponto de vista social e de qualidade e, neste momento, está a ser implementado o ponto de vista ambiental. E no futuro isto também se vai alargar aos fornecedores de tecidos, tinturarias e lavandarias. A Auchan é contra a subcontratação não declarada (como acontece, como já expliquei, nas fábricas da Zara e companhias em que uma família inteira trabalha escondida em caves) e exige saber de cada fornecedor onde é que os seus produtos estão a ser fabricados e fazem-se verificações (aleatoriamente) para averiguar estas situações. E isto é um nível de exigência e controlo que poucos  distribuidores de vestuário pedem. Podem ler mais sobre o compromisso sustentável da Auchan aqui.

Assim, quando me veem a ir ao Jumbo e a mostrar várias peças de roupa e calçado de lá não é só porque é mais barato. É porque é uma compra mais consciente e onde podem encontrar roupas de muito melhor qualidade que as lojas de “moda-rápida” (só não têm o carimbo de marca cool para o Instagram mas isso é apenas a mentalidade que tem de mudar) e até muitas peças de algodão orgânico (como esta nova coleção de básicos que está lá neste momento, mostro as t-shirts às riscas na fotografia em baixo). Actualmente, a Auchan também tem, como já partilhei várias vezes, um foco de produção portuguesa que, por enquanto, é concentrado essencialmente em interiores e calçado. Mas a ambição é mesmo a de manter a compra local a fornecedores locais (nos vários países em que a Auchan está).

Mas há muito mais marcas por onde podem explorar. Para quem gosta de compras online, compro muitas coisas na marca inglesa Nobody’s Child (podem ler o seu compromisso sustentável aqui) que usa as suas próprias fábricas e tem um papel activo no desperdício (e os preços são simpáticos e a qualidade dos tecidos muito boa). E podem também apostar em marcas de produção nacional como a Mahrla. Deem-me também as vossas sugestões de marcas para abrirmos aqui o leque de opções.

Actualização:  – a marca portuguesa Naz Clothes tem como máxima a sustentabilidade, a diminuição da pegada ambiental e do desperdício. Tudo produção portuguesa.

– a marca portuguesa Sienna luta também contra o desperdício e muitas das suas peças são feitas com restos de tecido de outras peças como forma de as tornar mais sustentáveis.


Deixei de comprar malhas nas lojas de “moda-rápida” porque simplesmente não compensa. A qualidade é miserável. Tenho malhas do Jumbo desde o início da nossa relação (em 2015) que estão como novas e estão agora no seu terceiro inverno. Uma das coisas que faço, como gosto de camisolas de inverno compridas, é comprar os tamanhos grandes. Esta mala foi uma coleção cápsula fabricada em Portugal e inspirada nas malas vintage das nossas avós. 


O mesmo se aplica às camisas. Adoro usar camisas grandes na primavera ou atadas com um nó na cintura. O Jumbo tem sempre padrões frescos, modernos e com tecidos de boa qualidade que não ficam amarrotados ao fim de cinco minutos.


Coleção de básicos de algodão orgânico que podem encontrar neste momento nas lojas.


Algumas das coisas que comprei nos saldos da Nobody’s Child: umas calças com folho e um macacão que ainda não abri porque é de verão e não o vou usar tão cedo. Aproveito sempre os momentos de descontos para comprar qualquer coisa que precise. Os tecidos são de óptima qualidade também.



A camisa da colecção de primavera, botas fabricadas em Portugal e o top era um pijama de verão do ano passado em seda que gosto de usar com calças subidas por ser elegante com uma pequena renda no decote. Tudo Jumbo Moda (e a camisola de malha da fotografia de cima).


Casaco de malha onde também trouxe o tamanho grande porque gosto deles compridos e largos. Ténis da nova coleção de primavera, t-shirt básica com pormenor no ombro e cinto de imitação de pele com um bordado de flores. Tudo Jumbo Moda.


Em baixo, vestido e kimono da Mahrla. Tudo fabricado em Portugal.



Em conclusão: o que vos pergunto é muito simples. Porque continuamos a comprar roupa que faz tão mal ao mundo quando temos outras opções?


Compramos Zara porque precisamos? Ou porque somos impelidos a querer mais e mais e mais?


Porque nos contentamos com roupa de má qualidade só por ter o carimbo de uma marca conhecida?


Porque aceitamos usar roupas com químicos tóxicos que nos fazem mal a nós e que contaminam de uma forma brutal o ambiente e o planeta?

A Fashion Revolution é um movimento global que exige uma indústria da moda mais justa, segura, limpa e transparente. E todos nós temos que ter um papel activo. O meu já começou e agora passo-o a vocês 🙂

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