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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Porque nos custa tanto dizer (e pensar) que até somos bons no que fazemos?


Nos últimos tempos tenho-me confrontado muito com este tema que envolve alguns conceitos com os quais somos bombardeados desde novos como a arrogância, a prepotência e o individualismo. Uma espécie de auto-estima injustificada, uma certeza de que somos algo que até podemos ser mas, céus!, fica feio dizer. A sociedade desde cedo nos impõe que não nos podemos achar os melhores. Não nos podemos sequer ver como sendo mesmo bons para caraças naquilo que fazemos. Porque isso é um grande atrevimento, uma grande bazófia, insolência, falta de modéstia, petulância, descaramento, ousadia, desplante. Em conclusão: um grande pedantismo que Deus nos livre de ter.


Vejamos a maneira de pensar da minha própria mãe que na semana passada teve de fazer uma auto-avaliação no seu emprego. E a minha mãe é a melhor naquilo que faz no sítio onde o faz. Além de já o fazer há umas quatro décadas, o que, imagino, nos aperfeiçoe a técnica. E enquanto a incentivava a colocar a avaliação mais alta em todas as categorias, ela só dizia que tinha medo que a achassem arrogante. Mas não és boa no teu trabalho?, perguntei. Sim, acho que sou, disse-me. Então porque tens vergonha de o assumir?


E ficámos assim. Ela optou por colocar algumas categorias com nota alta e outras com nota média. Não porque sentisse que era mediana. Mas porque achou que era isso que esperavam que ela fizesse.


Eu não acho que sou melhor que ninguém… 


Mas isso também não significa que não ache que seja muito boa naquilo que faço. Na verdade, evito comparar-me aos outros ou pensar qual é a percepção que têm de mim. Li uma primeira crítica negativa do meu livro (dois anos depois) no Goodreads e incomodou-me bastante. Mas que descaramento, pensei, que esta pessoa tenha dito que não passa de um livro de transição entre outros bons. Mas ao mesmo tempo, pensei também, este é o lado engraçado das opiniões. Não passam disso. Opiniões de outras pessoas não são verdades absolutas e muito menos verdades que se apliquem a nós. Tal como as minhas opiniões não significam nada para os outros. São somente minhas. E têm apenas relevo na minha percepção do mundo.


E é aqui que entra a parte mais particular destes temas em que tenho andado a pensar: a revista Forbes diz que somos todos arrogantes e iludidos mas que este excesso de confiança nos faz realmente acreditar nisso e, bem, se acreditamos mais facilmente realizamos. E pessoas confiantes criam confiança nos outros. Há até um estudo muito engraçado: 93% dos americanos acha-se um condutor acima da média. Até aqueles que foram hospitalizados depois de um acidente provocado por eles continuavam a classificar-se melhores que os outros, o que tem uma certa piada.


Mas sabem qual é o meu problema? Além de perfeccionista, eu sou competitiva. Muito, até. E sou demasiado emotiva – seja isso bom ou mau. Tenho sempre o coração nas mãos. Faço tudo com muita emoção. E sou muito impulsiva e centrada nas minhas próprias ideias. E acho que isto também é o efeito ou o espelho daquilo que faço – escrever. Só quem passa muito tempo dentro da sua própria cabeça poderá certamente escrever livros. E no meio de todo este bonito bolo de emoções cozinhado ainda sou extremamente reservada. Durante a escola e a faculdade, nunca me interessei muito em ser socialmente aceite ou “encaixar-me” na maior fatia do gráfico. Eu fui sempre aquela miúda estranha que usava roupas bizarras e fazia aquilo que lhe apetecia. E sim, continuava a achar-me bastante boa na visão de mim própria. Nunca melhor que ninguém em particular. Apenas satisfatoriamente boa para mim.


Porque queremos tanto o reconhecimento dos outros?


Em Janeiro, a revista Estante fez um artigo sobre quem são os influenciadores literários em Portugal. E dei por mim arrasada porque não tinham falado comigo. Abordavam-me, é certo, em duas ou três linhas, fazendo referência ao bookgang. Mas não me tinham entrevistado. Acabei com o coração na boca a ler as entrevistas daqueles que a jornalista achou mais relevantes do que eu. Frustrada. Zangada. Triste. Com ela, mas acima de tudo comigo. A minha amiga Jackie (empreendedora e formadora com uma pitada de coach, podem seguir a newsletter dela aqui) diz que tenho de fazer o trabalho de casa de me apresentar a toda a gente. Que sou demasiado reservada até para o meu próprio bem. Que até podia ser a melhor do mundo mas fico sempre sentada no meu canto à espera que me vejam. E até os melhores do mundo têm de se dar a conhecer. Provavelmente até o Ronaldinho.


Eu podia contestar tudo o que ela me diz, argumentar e justificar o porquê de ser assim. Mas sei que ela tem razão. E também sei que este constrangimento em me assumir como – porra! – boa, advém da pressão que levamos desde sempre para não andarmos por aí com os bolsos cheios de confiança. Ah, mas eu preocupo-me apenas com quem me lê, digo eu constantemente. É mais justificação do que convicção. Porque, ao mesmo tempo, deixo-me afectar pelo reconhecimento que sei que mereço e que não me dão. Mesmo que esse reconhecimento seja apenas uma mera entrevista numa revista sobre quem anda a influenciar esta geração a ler. E que na prática não afecta em nada a minha vida, o meu trabalho e a minha confiança.


É uma contradição estúpida que acho que toda a gente sente, qualquer que seja a sua área – esta ânsia de reconhecimento, esta competitividade que eu acho saudável mas, ao mesmo tempo, desgastante emocionalmente.


E é por isso que não tenho vergonha de assumir que, por vezes, me comporto como uma criança mimada que faz uma birra porque não pode ir para o baloiço. Porque sou impulsiva. Porque me deixo controlar pelas emoções e não penso de forma racional e coerente. Porque atiro tudo ao ar e disparo para todos os lados. Neste caso, enviei um email para alguém da Estante e jorrei toda a minha frustração. Acho que nem me responderam e não os condeno. No lugar deles, provavelmente teria feito exactamente o mesmo.


Esta semana, uma escritora internacional veio cá apresentar um livro novo. E à meia noite e pouco, enquanto dava uma vista de olhos pelos emails antes de dormir, abro um que dizia que ia haver uma apresentação na Fnac e uma tertúlia exclusiva com os maiores influenciadores nacionais. Literários, deduzi. Onde eu não estava incluída. O que é que eu fiz? Pois, já podem imaginar. Despejei uma enxurrada de insatisfações. Que louca é que envia uma email à meia noite frustrada porque não a convidaram para uma tertúlia literária? Nem é que eu quisesse ir porque nem li o livro. Era só porque não me incluíam nesse grupo dos maiores influenciadores literários. Quando eu acho que sou! E essa falta de reconhecimento é que me queimou os fusíveis. E com eles a minha dignidade certamente.


Quando partilhei este triste momento da minha pessoa com amigas e colegas, todas compreenderam a frustração. Recebi aqueles conselhos que dou a mim própria: ser menos impulsiva, ser activa e não reactiva, dar-me a conhecer ao invés de ficar frustrada por não me conhecerem. E eu precisava que me dissessem isso. Mas uma delas disse-me uma coisa que acabou por dar vida a todo este post: que eu estava envergonhada do que tinha feito porque a sociedade nos impõe desde novos que não podemos dizer que somos bons. É quase sacrilégio.


A lição a retirar daqui? 


Acreditem mais em vocês. Tal como eu acreditei que podia escrever o meu primeiro livro. Eu sentia com toda a minha alma que todas aquelas histórias tinham potencial para um bom livro sobre a nossa geração. E que eu conseguia escrevê-lo no tom que imaginava que ele podia ter. E que tinha capacidade para isso. E ignorem as opiniões de quem vos manda abaixo. Tal como ignorei quando uma diretora de certa associação de apoio à vítima disse que eu não tinha capacidade para escrever uma tese com vários estudos de caso sobre a violência doméstica e o impacto nas crianças. Escrevi. E tive 19. E depois despedi-me . Tal como não perdi a coragem quando o diretor de uma revista feminina onde trabalhava disse que, se me fosse embora, não ia ter sucesso em mais lado nenhum. E que ele ia garantir que isso acontecia. Tal como não perdi a fé quando o diretor de um grande jornal disse que eu não era ninguém na literatura em Portugal e achar que podia estar a ter impacto nesta geração de leitores era insolente e estúpido.

Pode não ser suposto dizermos (nem pensarmos) que somos bons em alguma coisa, mas digam. Mas pensem. Mas acreditem. Porque é daí que vem a confiança para fazerem as coisas. E é de pessoas assim que o mundo precisa.


Só não enviem emails loucos de frustração quando alguém não vê tudo aquilo que vocês querem que o mundo veja. Acreditem, a vergonha depois vai ser grande.

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