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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Uma história sobre música, infância e os conselhos da minha mãe


Há muito pouca gente que sabe que, em miúda, fui operada aos ouvidos porque estava a perder a audição. Muito amor aos professores atentos que fazem a diferença na vida das crianças. A minha mãe reparava que eu via televisão muito alta mas foi a minha professora da primária que notou que estava sempre com a cabeça na lua durante as aulas e começou a perceber que basicamente eu ouvia mal. Nada de muito grave, felizmente, porque fiquei óptima nesse quesito mas era miúda e entretanto passei a adolescente e deixei de seguir todas as recomendações que me obrigaram a ter porque – hello? – queria ser cool e ninguém é cool quando temos 15 anos e a nossa mãe nos lava a cabeça todos os dias porque temos de estar a tapar os ouvidos com dois acessórios manhosos de plástico para não entrar nem uma gota de água.

E talvez por isso – ou não – a música sempre teve um grande impacto na minha vida. E eu fantasiava com rádios, walkmans, discmans e toda a panóplia de gadgets dos anos 90 para ouvir música porque, lá está, não o podia fazer. Mas as mães têm sempre a tendência a ceder e a minha lá ia cedendo, evitando dar-me auriculares e obrigando-me a ouvir música em headphones de colocar na cabeça. Lembro-me de ter 10 ou 11 anos e estar na escola a ouvir música no meu walkman e umas raparigas mais velhas – aí dos seus 14 anos – mo terem tirado para ver o que estava a ouvir. Era uma cassete daquelas colectâneas que se faziam com o melhor do pop anual e, ainda hoje me lembro, estava a ouvir a famosa música dos 4 Non Blondes em que a Linda Perry gritava aos meus ouvidos ‘What’s going on?’ e juro que não era o Ele é o Rei dos Onda Choc (embora também tenha vibrado muito com isso). Mas aos 10 anos eu usava uma mochila de imitação de pele, calças iguais e botas de atacadores até meio da perna porque queria ser do rock e ninguém era do rock a ouvir Onda Choc (mal sabia eu que, dois anos depois, iria virar Spice Girl).

Já me estou a abstrair do tema porque tenho esta tendência de começar a escrever e entrar em dissertações de pensamentos. As miúdas acabaram por me devolver o walkman e disseram que eu era fixe. E, porra, eu era fixe e isso importava para mim. Ainda estava a construir a minha individualidade e ser fixe era tudo o que queria.

Eis muitas das coisas que os médicos disseram à minha mãe que nunca iria poder fazer: ouvir música em auriculares, mergulhar, piscinas, ir a discotecas e muitas outras coisas que pudessem danificar os tímpanos. Cool, hein?

Claro que à medida que me fui tornando adolescente, começou a ser difícil para a minha mãe explicar-me que não podia ir à discoteca quando aos 14 anos todos os miúdos da escola iam às matinés do Bauhaus no Estoril. E as sextas-feiras eram o ponto alto da nossa semana. Vestíamos os nossos tops de lycra da Bershka, pintávamos os olhos com purpurinas, púnhamos batons de gloss pegajosos nos lábios e íamos em ânsias à matiné para ver rapazes, dançar e ser o que todas as adolescentes querem ser: felizes. Mesmo que, depois, ficasse a ouvir tambores dentro da minha cabeça até domingo.

Quando as dores de amor começaram a dar cabo do meu coração e me deitava na cama a ouvir música durante horas, como é que a minha mãe me ia obrigar a usar uns headphones e implorar para não ouvir a música alta? Eu gritava que ninguém ouvia música de bandolete na cabeça e punha os auriculares dentro das orelhas e ignorava-a. Tal como ignorei nos 10 anos seguintes em que corri todas as discotecas de Lisboa.

Os auriculares tornaram-se os meus melhores amigos durante anos. Em casa, na praia, nas longas viagens diárias de três transportes diferentes para a faculdade e por aí fora. Quem é que não passava horas com os auriculares enfiados nas orelhas abstraído do mundo?

Com a idade, deixei de querer que ela me lavasse a cabeça porque isso era uma vergonha. Molhava os ouvidos, tinha otites constantes, ia a discotecas, ouvia música aos gritos durante horas, mergulhava nas piscinas, passei muitos verões de férias a visitar centros de saúde com otites e fui uma adolescente parva como qualquer outra que se queria integrar, ser fixe, ser aceite e ser feliz.

Se pudesse voltar atrás mudava alguma coisa? Provavelmente não. Porque penso que hoje sou o reflexo da forma como cresci, das experiências que vivi e das coisas que aprendi. Mesmo que, agora, viva com consequências de tudo isto.

As mossas que a minha adolescência fizeram nos meus ouvidos são grandes, mesmo que a minha mãe tenha tentado ao máximo proteger-me e aconselhado e relembrado de tudo o que os médicos diziam, comigo a bufar para não me chatear. Hoje tenho derrames nos tímpanos e isso é uma merda que nem vos conto. E hoje parei, de vez, de usar auriculares porque isso já não é cool. Pelo menos, para mim.

Nos últimos anos, tenho vindo a perceber o que é que desencadeia as crises de tímpanos (chamo-as assim porque não sei que nome lhes dar) e percebi que falar ao telefone era um exemplo. Tentando explicar, é como se vocês tivessem qualquer coisa que faz o vosso tímpano borbulhar (uma espécie de estalos contínuos) com qualquer som. Nesses dias, tenho de estar em silêncio e falar baixo porque tudo os vai desencadear, incluindo a minha própria voz. São as cicatrizes com que os meus tímpanos ficaram de tantos anos de danos pós cirurgias. Um tímpano tem uma película que tem mais ou menos a grossura de um dedo. O meu é como se fosse uma folha de papel vegetal (foi assim que me explicaram, não sou médica nem entendo nada disto e peço já desculpa aos leitores médicos se isto está mal explicado).

No ano passado fui a um daqueles teatros no gelo em que a acústica é péssima porque os espaços não estão preparados para isso e ia morrendo. Sempre que os atores guinchavam ao microfone ou cantavam, eu tinha de tapar os ouvidos porque tinha a sensação de que os meus tímpanos iam explodir com os estalos. Foi um sofrimento atroz que me fez ter noção de que precisava de mudar radicalmente de vida, por assim dizer, e tentar proteger a minha audição ou não sabia que danos (ainda piores) poderia estar a provocar para o futuro. Damos sempre as coisas por garantidas porque sempre vivemos com elas mas nada é certo nem para sempre.

Deixei de ir a discotecas (pelo menos de forma regular), comecei a tomar banho de tampões para evitar a entrada de muita água nos ouvidos, não mergulho mas comecei a fazer natação (porque nunca pude fazer e era algo que queria muito mas uso tampões como estes e tenho mil e um cuidados), vou nas viagens de avião a mascar pastilhas para fazer com que os tímpanos não fechem e deixei de usar auriculares de vez (já não usava para ouvir música mas ainda para falar ao telefone na rua ou a conduzir).

Tenho, finalmente, uns headphones multi-funções, tanto para ouvir música como para falar ao telefone porque conectam com bluetooth. Não estou a defender que são a melhor solução mas fazem, acreditem, menos danos que os auriculares que estão enfiados dentro dos nossos ouvidos. Não têm fios, são confortáveis, não magoam e são bastante práticos, com botão play/pause apenas por rodar um botãozinho e conectam imediatamente ao telefone. Ofereci no Natal uns ao meu irmão (custam 60€ e há várias cores no Jumbo, não lhe ofereci uns rosa obviamente) e são da marca QILIVE (foi das coisas mais interessantes que o Jumbo me mostrou nos últimos tempos sem sequer conhecer esta minha história ou saber que eu já pensava em procurar uns headphones que conectassem ao telefone. Podem ver mais infos aqui e um vídeo giro).

E um lembrete para todas as mães: continuem a chatear os vossos filhos adolescentes com todas as coisas que vos preocupam. Porque por mais parvos que sejamos nessa idade, as coisas que as nossas mães nos dizem ficam sempre a pairar como música de fundo no nosso inconsciente 🙂



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