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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Vamos continuar a ser (inocentes) objectos sexuais?


Eu cresci na Escola Secundária de Carcavelos que, na altura, tinha um descampado nas traseiras. Actualmente, foi feita uma estrada de ligação à via rápida para a marginal de Cascais mas, antigamente, era apenas um descampado por onde os mais corajosos passavam para cortar caminho até ao centro de Carcavelos.

Os pervertidos que se masturbavam atrás da escola

Para nós, jovens de 13 anos, era o caminho que fazíamos entre a escola e a praia. E era o sítio onde todos os pervertidos da zona acampavam. E os ladrões é claro, mas esses não vêm a propósito desta história. Lembro-me de passar por lá com as minhas amigas e já sabermos que iríamos encontrar meia dúzia de homens – novos e velhos – a masturbarem-se no meio das ervas. Nós ríamo-nos descontroladamente, gozávamos e, com aquele nervoso miudinho típico da adolescência, corríamos pelo caminho até à estrada que ia dar ao portão da escola.


Vamos gritar, disse eu um dia à minha amiga Joana. És louca, respondeu-me. Mas quando passámos por um velhote, eu gritei. Seu noooooooojento. E de mãos dadas e a rir desatámos a correr e só parámos na estrada principal de acesso à escola.

Esta história parece inocente, é verdade. E em 1999, sem Instagram, internet, redes sociais e um acesso livre ao mundo como há hoje, nós não interpretávamos as coisas dessa forma. Mas a verdade é que, sem nos apercebermos, crescemos a ser objectificadas por uma série de tipos que se iam masturbar a olhar para nós nas traseiras da escola.


Os apalpões e os comentários

Alguns anos mais tarde, já tinha eu 15 anos, passei de uma miúda estranha para uma miúda estranha mas com umas grandes boobies. De repente, eu era a rapariga do meu grupo de amigas com um peito maior. E tinha uma vergonha terrível desse pormenor. Mas quando, inocentemente, passei com um bikini pequenino cor de rosa pelo bar da praia de Carcavelos onde os rapazes da escola paravam no verão, todos repararam em mim. E eu fiquei extasiada por, de repente, todos saberem quem eu era e me darem atenção. Os diários idiotas que eu escrevia deixaram de ser sobre o surfista de mota azul por quem tinha uma paixoneta, mas sim sobre tipos reais que falavam realmente comigo.

Essa atenção foi porque eu tinha um bikini cor de rosa e mamas. Apenas por isso.

Já neste século, porque eu não sou tãããão velha assim, aí por 2005, lembram-se do idiota #17 que me levava a jantar ao McDonalds? Eu deveria ter uns 21 anos na altura. E ele, que gostava de aparecer em casa dos meus pais ao sábado de madrugada, bêbado e a dizer que estava a morrer de saudades, deitava-se na minha cama – com os meus pais a dormir e sem sequer imaginarem que um idiota de sapatos de vela lhes tinha entrado por casa a dentro – e metia-me as mãos dentro da camisola, apalpava-me de todas as formas possíveis e adormecia. Ele tinha saudades minha, pensava eu. Não. Ele queria dar uns amassos ao sábado à noite. De manhã, antes de os meus pais acordarem, eu expulsava-o de casa e continuava a dormir feliz e contente porque ele tinha ido ter comigo. Mãe, se estás a ler isto, eu sei, era tremendamente estúpida.

Estes são três episódios inocentes. Posso rir-me deles com nostalgia mas, na verdade, deveria ficar zangada por aos 13, aos 15 e aos 21 anos ter sido objectificada, inocentemente agredida, por homens.


Vivemos numa cultura que odeia as mulheres

Um amigo enviou-me um excerto do livro de Jessica Valenti que foi publicado no The Guardian e, depois de o ler, foi como ter flashbacks da minha infância. Da objectificação escondida por likes no Instagram, por toques inocentes no metro, por abraços de professores, por one-night stands, por assobios na rua… “Sabemos que a violência directa provoca trauma. Mas ainda não temos nenhum nome para o que acontece com as mulheres que vivem numa cultura que as odeia“, escreve Jessica.

Eu tenho todos os dias medo que um tipo pervertido na rua que me assobia vá, um dia, mais longe que o assobio. Eu tenho medo de, quando apanho um taxi, não chegar ao destino final. Eu tenho medo de viajar sozinha e não voltar. Eu tenho medo do tipo do hostel que está a ver um canal pornográfico quando eu chego e que me pode entrar no quarto durante a noite. Eu tenho medo dos ladrãozecos que podem querer roubar mais do que o meu iPhone.

E porque é que tenho medo? Porque sou mulher.

Podemos fingir que essa objectificação não nos afecta. Podemos transformá-la em algo positivo e construtor de ego, como os likes no Instagram. Mas não podemos transferir essa culpa para nós – sempre que colocamos uma fotografia semi-despidas na internet estamos a fazê-lo – nem dar poder à sociedade para nos colocar um número em cima.

Se continuarmos a comportar-nos como objectos à espera de aprovação, vamos continuar a dar armas para que as próximas gerações, aos 13, aos 15, aos 21, aos 30 anos, sejam inconscientemente agredidas e cresçam num mundo em que o seu corpo é de acesso livre a qualquer pessoa, a qualquer comentário, a qualquer assobio, a qualquer apalpão, a qualquer like.

Os masturbadores não estão nas traseiras da escola. Agora estão em casa, no telemóvel, a masturbar-se com as fotografias que NÓS colocámos em troca de likes.

© 2019-2023 Helena Magalhães. Todos os Direitos Reservados.

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