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  • Foto do escritorHelena Magalhães

Vamos ficar para sempre lembrados como a geração que deixou de gostar de si própria


Eu cresci a tentar ser bonita exactamente à minha maneira. A tentar ser sexy por ser exactamente como sou. Nunca em tempo algum me passou pela cabeça – nem aos 16 anos nem aos 25 nem agora aos 30 – que para me sentir assim teria de mudar tanta coisa em mim. Porque razão esta geração está a crescer com o objetivo de deixar de ser aquilo que é? Porque razão uma pessoa perde tanto tempo da sua vida a tentar tornar-se noutra pessoa? E porque razão uma mulher move mundos e fundos (e gasta tanto dinheiro) para se injectar de ácido hialurónico para preencher qualquer coisa que lhe falta e que, ironicamente, me parece faltar no cérebro e não no corpo?


O ano passado, quando entrevistei a Yael Adler (podem ler aqui), falámos sobre a obsessão do botox, dado que ela dedica todo um capítulo a isto no seu livro. E ela dizia-me quer as redes sociais vieram impulsionar esta era narcisista em que todos queremos mudar aquilo que somos em todos os aspetos: queremos uma casa instagram, uma relação instagram, fazer viagens instagram e isso também se aplica ao corpo instagram. Um pouco como o que falei neste post sobre as insta-vidas no mês passado.


E ela disse-me assim:

“Pergunto-me muitas vezes como é possível perder-se assim a noção do que é normal, do que é bonito. Hoje em dia, as mulheres acabam por ficar iguais umas às outras e os lábios gigantes são um fenómeno desta beleza impulsionada pelas redes sociais. Se formos analisar a coisa do ponto de vista psicológico, está-se a tentar criar uma espécie de vulva no rosto. Por que razão alguém vai querer ter uma caricatura do órgão sexual feminino no meio da cara? Mas está tudo relacionado com o desejo sexual de atrair”.


Bem-vindos à geração que deixou de gostar de si própria. A geração com o objetivo de vida de ser bonita, ter a cara plastificada, ter uma boa máquina fotográfica, muita roupa, muitos cremes e muitos likes nas redes sociais.


Esta modelo apareceu-me nas sugestões do Instagram e depois de ver a boca dela absolutamente assustadora, dei-me ao trabalho de ir procurar fotografias mais antigas de quando era uma mulher normal, natural e linda à sua maneira. Mas uns lábios XXL significam mais likes. E mais likes significam mais propostas de trabalho. E mais propostas significam mais dinheiro. Esta é a democratização das cirurgias plásticas porque toda a gente quer ter qualquer coisa de diferente na sua cara. Mesmo que o diferente nos torne iguais a todas as outras.


Se há 30 ou 40 anos, a geração de então vivia obcecada em ter a maior casa, o maior carro, um emprego, muitos electrodomésticos, uma televisão, um sistema de som e muitas compras a crédito, nós tornámo-nos a geração do eu, eu, eu. Compra a melhor máquina fotográfica, os melhores filtros, as melhores roupas, a melhor maquilhagem. Tira as melhores fotografias e espera que alguém, em qualquer lado, se importe contigo.

Deixámos de ser a geração materialista para nos tornarmos uma geração narcisista e obcecada pela aparência física. Vivemos o nosso dia em prol de uma fotografia para mostrarmos aos outros que somos mais bonitos e temos uma vida melhor – mesmo que isso apenas se aplique na nossa vida virtual. As redes sociais tornaram as Prozis da vida a nova cocaína em que se não tomas esses pós com essas panquecas não vais ter o corpo perfeito.


E é uma selfie à segunda, uma foto em lingerie à terça, uma foto em bikini à quarta, um look do dia à quinta e outra selfie à sexta porque #TGIF. Vivemos intensamente à procura de validação pela nossa aparência física virtual cheia de filtros para correspondermos a um tipo de imagem que achamos que é perfeita.

Todas as redes sociais se transformaram numa massa de gente que compete uns com os outros por seguidores, por likes, por ofertas, por #ads, por eventos, por festas, por convites, por uma demonstração estúpida de aprovação em vez de qualquer tipo de objetivo de vida relevante.


O Mark Zuckerberg escrevia em 2012 que as redes sociais iam levar ao empowerment das pessoas. Quão errado ele estava. As redes sociais estão a levar-nos para um buraco de inseguranças e solidão. 


Porque se antigamente nos preocupávamos apenas com a forma como as pessoas à nossa volta nos viam, agora preocupamo-nos com a forma como uma audiência infinita nos vê. E arrisco a dizer que agora preocupamo-nos mais com a nossa imagem virtual do que com a nossa imagem real. É por isso que uma jovem de hoje está mais preocupada com o seu impacto virtual ao ter fotografias em lingerie do que com o impacto que essa mesma fotografia vai ter na sua vida real.


Não me conseguiria imaginar em soutien numa fotografia sexy e cheia de falsa propaganda de #girlpower no Instagram e no dia seguinte estar como se nada fosse a falar com os meus colegas ou clientes ou empresas com quem trabalho. Quão credível iria ser a minha imagem profissional se me expusesse dessa forma no meu perfil virtual numa ânsia de ter mais likes e sentir-me desejada, aprovada e validada por pessoas que não me dizem nada?


É aqui que as redes sociais se tornam destruidoras ao criar a falsa noção de que há tanta gente bonita e perfeita. Mas eu aqui continuo a ser uma mulher normal com uma vida banal e uma aparência física vulgar. Não deveria sentir-me, então, inferior por isso? O objetivo de vida Kardashian saltou todas as fronteiras e o modus operandi plásticas chegou à mulher comum que quer avidamente ter essa imagem.


Pergunta para queijinho: qual destas é uma Kardashian verdadeira? 





Nenhuma. Mas são surpreendentemente (ou não) todas iguais umas às outras.


Qual é que é o perigo? Se continuarem a colocar toda a vossa auto-estima e objetivo de vida em ter a aparência que acham “certa” para outras pessoas “gostarem” da forma como vocês se parecem, eis uma porta aberta para um futuro de vulnerabilidade, inseguranças e dependência da opinião dos outros. E isto é o reflexo desta geração que luta ansiosamente por mudar todo o seu aspeto. Já ninguém quer ser única e original. Agora todas queremos ser iguais a todas.


Estive a ler a polémica sobre a filha da Ana Malhoa com 17 ou 18 anos e a sua obsessão em ser igual à família Kardashian. E ri-me com a parvoíce, mandei uma qualquer piada sobre a passagem da filosofia turbinada de mãe para filha e a minha vida continuou. Mas, para lá da óbvia piada que se possa fazer, há aqui um certo efeito bola de neve nestas raparigas que já cresceram com a internet e desde crianças são bombardeadas com estas informações: têm de ser sexys desde novas, têm de se vestir de certo modo, têm de se maquilhar de certa forma, têm de tirar certas fotografias e esperar por aquilo que toda a gente espera: likes; aprovação; bem-estar.


Na altura, a filha da Ana Malhoa disse – e passo a citar – “sou um ser humano normal e sou feliz. Não tenciono parecer mais velha ou plástica mas sim bem comigo mesma. Não julguem quem se sente bem com o corpo e com a mente”.

Mas toda a acção quer uma reacção. Quem se sente bem consigo mesma não tem a necessidade de o expor numa rede social.


A proliferação destas modas digitais fez com que nos passássemos a olhar de uma forma que, para quem viveu o “antes” (como eu), antigamente nem nos passava pela cabeça. O Instagram deixa-nos ansiosos, obcecados, inseguros e com baixa auto-estima. Às vezes dou por mim a ver fotografias de modelos na cama de manhã, onde juram que acordaram mesmo assim – perfeitas e imaculadas. E isso é absolutamente irreal. Faz-nos colocar em causa a nossa própria beleza. Porque nós não acordamos assim. Nós não nos vestimos assim. Nós não parecemos assim. Se tivesse crescido com Instagram, tenho a certeza absoluta que estaria absolutamente – e desculpem-me a palavra – fodida da cabeça. Porque tudo à nossa volta grita F-A-L-S-O!


Um dia destes li uma entrevista de uma modelo qualquer, onde ela dizia que, se queremos competir na sociedade de hoje, somos obrigados a ter uma versão da nossa vida real e uma versão da nossa vida digital. E isto faz todo o sentido. Ela dizia que antigamente o seu Intagram tinha mais fotografias da sua família, dos livros que lia, dos seus cães mas, para vingar na moda, ela sabia que tinha de ter mais seguidores. E o que dá seguidores são as fotografias em lingerie. E as selfies.


E às vezes perguntam-me porque não partilho mais coisas de mim e eu respondo sempre o mesmo: porque não vejo necessidade disso. A minha cara é sempre igual. Porque razão vou tirar dez selfies por semana? A minha roupa é sempre a mesma. Que relevo tem estar a mostrá-la? E que mérito tenho por estar a expor o meu corpo a uma audiência onde, em grande parte, não conheço ninguém só para gritar que me sinto bem comigo mesma? Se me virem na praia logo verão o meu corpo. E sem filtros.

O que é que eu espero quando olham para a minha conta nas redes sociais? Espero que tenham vontade em ler mais, que se divirtam, que gostem de plantas, que queiram ser melhores pessoas, mais reais, mais humanas, mais naturais. Porque no fim do dia até posso parecer ter todas as minhas merdas bem arrumadas mas não deixo de ser uma miúda num corpo de adulta a tentar descobrir o meu lugar no mundo. E também tenho inseguranças e falhas e tristezas mas nenhuma plástica nem nenhuns lábios turbinados nem nenhuma fotografia cheia de filtros, nem cinco, dez ou vinte mil likes vão mudar isso. Isto é um trabalho para a vida inteira.


Por vezes dou por mim a pensar que eventualmente daqui a 100 anos, a história vai ser contada em torno de um Mark Zuckerberg, o Hitler desta geração que nos tornou obcecados em mostrar uma versão idealizada de nós próprios ao mundo; um avatar da pessoa que desejávamos ser e não aquilo que somos na vida real.

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