Ponderei durante algum tempo se escrevia, ou não, este post. Simplesmente porque é demasiado pessoal – ok, eu escrevo crónicas sobre relações. Mas são sarcásticas. São romantizadas para ter piada. São, na sua grande maioria, histórias. E as histórias servem para entreter. Não são necessariamente aspectos pessoais do meu eu. Mas a ansiedade de viver com ansiedade é mais comum do que se imagina: afecta cerca de 16% dos portugueses e é nos mais jovens – entre os 18 e os 34 anos – que há maior incidência. Só nos EUA, estima-se que 40 milhões de americanos adultos sofram com esta condição.
Vai daí, cá estou eu: faço parte dessa percentagem de pessoas que tem uma doença que, infelizmente, ainda é bastante incompreendida, ignorada e desvalorizada. Eu nem gosto de lhe chamar doença – porque é tabu, muito tabu – costumo dizer que é uma particularidade minha.
Há quem me ache dramática, nervosinha ou “lá vem ela com as coisas dela“. Mas ter ansiedade é simplesmente viver aterrorizada o tempo todo sem perceber o que é que pode despoletar um ataque. E este é, para mim, o primeiro passo. Compreender o porquê.
A primeira vez
A primeira vez que tive um ataque de ansiedade, não sabia o que era. Tinha 17 anos, estava numa discoteca apinhada em Lisboa e, simplesmente, comecei a tremer incontrolavelmente. Não conseguia respirar, tinha um peso no peito e sentaram-me na rua. Ali fiquei, pelo menos, uma hora, com três casacos de amigos vestidos sem ninguém perceber o que se passava comigo. É a primeira memória que tenho de um ataque de ansiedade na altura em que ainda não sabia que o era.
Ao longo dos anos, estes episódios foram-se sucedendo esporadicamente, sempre associados a sítios cheios de gente, fechados ou no meio de multidões. Comecei a aperceber-me que, eventualmente, sofria de claustrofobia. E mais do que isso, sofria por antecipação – o que acabava por despoletar ataques de ansiedade sempre que me encontrava em sítios onde podia imaginar que me ia sentir mal. Eu já tinha sintomas ainda antes de ter sintomas. E devo ter sido retirada em braços de praticamente todas as discotecas de Lisboa.
Se tinha vergonha? Claro que sim. Mas é impossível controlar a ansiedade. Aparece nem se sabe bem porquê e não basta respirar fundo – como toda a gente gosta de dizer.
Como é ter um ataque de ansiedade
Os ataques atingiram o seu pico quando, aos 23 anos, me diagnosticaram disfunção da tiróide. As palpitações, os desmaios, as insónias, os tremores, o calor e o frio que sobem e descem pelo corpo, a sensação de pânico e de me deixar consumir por sintomas em que parece que estou literalmente a morrer tomaram conta de mim. E cedi à medicação – durante dois anos fiz um tratamento diário para controlar os ataques de ansiedade que tinha a toda a hora: no trabalho, nas aulas, nos exames da faculdade, no metro, no comboio, em multidões, sem ser em multidões, em viagens… Bastava-me sentir um mínimo sintoma (uma palpitação, por exemplo), para entrar em disfunção total. Mais do que medo das situações, eu ganhei medo à ansiedade.
Para quem vê isto de fora, pode parecer difícil explicar, eu sei. Mas a única forma que consigo de exemplificar um ataque de ansiedade é estarem num estado em que, por minutos, o vosso corpo e o vosso cérebro não vos pertencem. O vosso cérebro sabe que não está a acontecer nada, mas o vosso corpo reage como se tivesse doente: tremores, tonturas, desmaios, dificuldade em respirar e um descontrolo total. Pura e simplesmente isso.
Dar um rosto ao bicho-papão
Esta é a parte em que quero chegar: a primeira coisa a fazer é perder a ideia de que a medicação é para os fracos e os menos capazes. Nada disso. A medicação é uma forma de controlo e de voltarem a compreender o vosso corpo. Pedir ajuda não pode ser considerado o passo assustador. Quando conseguirem analisar os sintomas, compreendê-los, dar-lhes um rosto (o meu bicho-papão são as multidões e os sítios fechados), conseguirão entender de que forma a medicação vos pode ajudar e em que momentos podem – e devem – ceder a ela.
Se há em dias em que me pergunto se vou ficar maluca? Claro. Tudo o que saia da minha rotina normal implica uma análise cuidada. Vivo todos os dias rodeada de “e se tiver um ataque?” e diálogos internos comigo mesma. Há uns tempos, a Ana Gomes (que entrou no Vive a Tua Beleza) disse-me que viajar era um tormento. Não o estar longe de casa – porque adora viajar – mas o ter de se adaptar a circunstâncias que a deixavam ansiosa. E todas as viagens que já fez – como ir até à Índia – serviram como prova de fogo para conhecer melhor o seu corpo e a sua cabeça.
Podia continuar aqui a dizer uma série de tretas sobre a merda que é viver com ansiedade. Mas só quero dizer uma: não tenham vergonha e procurem ajuda.
5 coisas que precisam interiorizar
Aprendam a viver com ansiedade. Aprender não significa curar. Honestamente, nem sei se a ansiedade tem cura. Mas aprenderem a viver com ela vai ajudar-vos a amenizar o medo porque vão conseguir controlar os sintomas. Hoje em dia, já não espero até entrar em ebulição total. Ao primeiro sinal, saio do sítio onde estou, procuro voltar a sentir-me segura, falo com a pessoa que esteja comigo. Tento concentrar-me num ponto e pensar que vou ficar bem – porque já me aconteceu antes e fiquei sempre bem. Esta semana, no Tamariz, ao fim de duas horas percebi que já estava na hora de me ir embora. A multidão era tanta, os encontrões, o sufoco que, quando senti uma tontura, disse adeus às minhas amigas e pronto.
Vão ter que aceitar a ansiedade. Uma das coisas que sempre me fez sofrer mais foi sentir que vivia condicionada. Porque, normalmente, ganhamos medo ao próprio ataque e às situações onde, no passado, tivemos ataques. O meu conselho? Têm que adoptar as estratégias certas que vos vão fazer sentir seguros em condições propícias. Em discotecas cheias, procuro ficar perto da porta ou da varanda. Em festivais, não vou para o meio da multidão. Se sentir que controlo o ambiente, mais facilmente controlo a possibilidade de ter um ataque.
Não tenham vergonha. O ano passado, de férias no Algarve, tive um colapso numa discoteca. Foi de tal forma intenso que tiveram que me deitar no chão da casa-de-banho enquanto tentavam controlar os meus tremores e desmaios. Fiquei pálida, roxa, de todas as cores enquanto o meu corpo entrava num universo paralelo. Ora tremia de frio, ora suava de calor. Quando tudo passou, chorei, chorei, chorei. Porque estava envergonhada perante as pessoas que estavam comigo. Falarem com os vossos amigos ajuda. Rodearem-se de pessoas que vos compreendem, que sabem como agir e que não vos vão fazer sentir mais ansiosos ainda com comentários como “respira fundo que isso passa” ou “bebe um golo de água para acalmar“, pode ajudar e muito.
Não temos nenhum problema e, na verdade, somos normais. É verdade. Há alturas em que tenho mais ataques. Pode ser porque ando mais stressada, com mais trabalho, com mais problemas e qualquer pequena coisa pode desencadear uma série de outras coisas que levam a um episódio de ansiedade. Há alturas em que penso que não vou conseguir continuar a viver com isto. Há alturas em que fico de tal forma descontrolada (como no Algarve no verão) que penso que não vou aguentar isto muito mais, que tenho um problema, que um dia o meu coração vai parar ou vou deixar de respirar no meio de um ataque. Calma. Aí sim, vale a pena respirar fundo. Depois da poeira assentar, as coisas voltam ao normal.
A medicação não é uma droga. A minha mãe está constantemente a dizer-me que tenho de aprender a controlar e a não depender de uma medicação. Mas a verdade é que só o facto de saber que tenho um comprimido que “acaba com tudo” em minutos faz com que me sinta mais calma e segura. Há uns anos, no pico das minhas crises, li uma entrevista ao José Carlos Malato onde ele dizia que levava consigo, para todo o lado, os seus comprimidos. Só o facto de os ter com ele faziam-no sentir tranquilo. Se, por qualquer razão, se esquecia deles em casa, era o suficiente para desencadear uma crise de ansiedade. Na altura, saber que não era a única a “viver” assim, deu-me algum consolo. E precisar de uma medicação não torna ninguém inválido. É como precisar de óculos para ler ou uma muleta quando se parte a perna. A medicação é apenas uma muleta para emergências.
Ansiedade não invalida sucesso e felicidade
E não somos os únicos. Diz-se que Cat Power compôs o quarto álbum Moon Pix num período com crises de ansiedade. John Mayer tem, como eu, ansiolíticos sempre com ele para o caso de ter um ataque de pânico. Barbra Streisand tomava calmantes antes de subir ao palco da Broadway. Amanda Seyfried faz terapia e toma medicação para a ansiedade. Mais há mais: Oprah, Emma Stone, Lena Dunham, Ellie Goulding, Scarlett Johansson, Adele, Nicole Kidman, Justin Timberlake… todos eles já falaram abertamente em público sobre viver com ansiedade.
Pessoas bem sucedidas, inteligentes, de sucesso e com carreiras milionárias sofrem com este distúrbio. E isso não condiciona em nada o seu sucesso e a sua vida.
Se às vezes me sinto chata para os meus amigos? Uma pessoa incómoda? Alguém que nunca dá para confiar porque se vai embora? Sim, sim, sim. Mas saber que, apesar disso, continuam a gostar de mim, a respeitar-me e a fazer de tudo para que esteja bem faz-me sentir calma na presença deles. Ao fim e ao cabo, rodearmo-nos de pessoas que nos deixem calmos é meio caminho andado.
E o que é que quero com este post? Empurrar a primeira peça do dominó para alguém em casa, a ler, que não saiba o que fazer.
1) Aceitar. 2) Pedir ajuda. 3) Não ter vergonha.
Adicionaram-me neste grupo do Facebook onde se discute este tema. Para quem quiser trocar impressões com pessoas que também vivem com ansiedade, entrem… sem vergonha 🙂
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