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Foto do escritorHelena Magalhães

Como é que nos vamos conseguir apaixonar se procuramos o cliché?


Passei o fim-de-semana a ler o primeiro livro da saga After – basicamente uma saga do género 50 Sombras de Grey em modo adolescente cheio de clichés do princípio ao fim que, com muita vergonha porque tenho 31 anos, confesso ter ficado encantada. Por um lado, fiquei com um respeito absurdo pela autora – Anna Todd – porque conseguiu usar todos os ingredientes mágicos para criar um bestseller entre as mulheres: amor, sexo, dinheiro, passados tristes e vidas problemáticas. E por outro, constatei de uma forma estúpida que o problema de muitas mulheres (e bem, homens também) estarem sozinhas é exactamente porque procuramos isto – o cliché. E o cliché dificilmente existe na vida real.

Eis a história base desta saga: rapaz problemático e rico conhece rapariga virgem e pobre. Rapariga virgem salva a vida de rapaz problemático. Rapaz problemático muda a sua vida por rapariga virgem. Felizes para sempre. Fim.

E é exactamente isto que vamos passar a vida a procurar – uma pessoa que nos salve e nos deixa a nós salvá-la a ela. Como se precisássemos de ser salvos ou como se essa fosse a premissa das relações.


Mas seremos nós mulheres que anseiam ser salvas?

A Beatriz voltou da Austrália e esteve comigo na semana passada para me contar que, desde que chegou, tinha voltado a estar com o Fascista Sexual. Sim, ele continuava a querer ter uma atriz pornográfica na cama mas o tempo que passaram afastados serviu para a Beatriz também esquecer porque razão se tinha fartado dele em Bali.

Mas rapidamente se voltou a lembrar. Depois de duas ou três semanas juntos, o Fascista Sexual disse-lhe que tinha conhecido outra pessoa. E que ela tinha 26 anos (recordo que ele tem 39). Os homens também passam a vida à procura do cliché romântico. Eles também anseiam por ser o rapaz que salva a rapariga. Mas seremos nós mulheres que anseiam ser salvas?

– Como é que uma mulher compete com isto? – perguntou-me a Beatriz, não se referindo necessariamente ao Fascista mas ao cliché estúpido que nos persegue de todo o lado e ao qual sucumbimos mesmo inconscientemente. Até um homem de 39 anos.

E no final do dia, esta é a fórmula mágica do inconsciente de todos nós – aquele amor imaginário, penoso, mágico, de vida ou morte. Aquele homem problemático com um passado triste que se apaixona unicamente por nós mas, ao mesmo tempo, nos livra de todos os nossos problemas. Ele precisa tanto de nós quanto nós dele. E foda-se, nós não somos a bóia salva-vida de ninguém. Mas fantasiamos com isto até acordados.

Queremos aquele homem que muda a sua vida por nós. Aquele homem que precisamos de salvar de todas as más influências à sua volta. E queremos ser salvas. Queremos alguém que nos ame mais que a qualquer outra pessoa. E que não precise de mais ninguém que não nós. Mas isto é real? Onde é que está o homem que nos vai salvar quando temos 30 anos, empregos de sucesso, vivemos sozinhas, somos independentes, sustentamo-nos e, no final do dia, só queremos alguém com quem partilhar a vida e não uma bóia em alto mar?

Quando homens de 39 anos procuram mulheres de 26 para salvar, onde é que nós ficamos?

E sendo muito prática, queremos nós homens problemáticos que vejam em nós as respostas às suas preces? Queremos ter nós essa responsabilidade em cima? Uma das coisas que costumo dizer, meio a brincar mas que até tem um fundo de verdade, é que para maluca já basto eu. Fujo a sete pés de tudo o que seja demasiado complicado. Na verdade, eu quero um homem simples que me faça rir. Mas li este livro em dois dias enquanto fantasiava com um homem igual ao personagem. Um homem intenso, dramático, problemático que me leva à lua para, depois, me atirar ao chão só para me levantar e salvar. E é óbvio que todos temos problemas, todos temos bagagem, todos temos medos, todos temos traumas, todos temos um passado. Mas será que procuramos mesmo alguém para salvar e/ou que nos salve?

Continuo a acreditar que, no fundo, andamos todos aqui à procura uns dos outros. Mas, infelizmente, ainda procuramos o cliché. Procuramos aquele amor dos filmes, das músicas, dos livros. Procuramos o improcurável – se essa palavra existisse. Procuramos o irreal. Porque, na verdade, e pensando nas minhas últimas experiências, fartei-me de todos os homens que viam em mim as respostas às suas preces. Fartei-me de todos os problemáticos. Fartei-me de todos os que me tentavam salvar enquanto lhes mostrava que não precisava de o ser.

Então, porque continuo a fantasiar com isto? Porque continuamos todos?

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